Fundada em 1932, a empresa dinamarquesa LEGO se popularizou entre dezenas de gerações no mundo todo através do singelo (e hoje famoso) brinquedo que consistia em montar peças diferentes para gerar combinações infinitas. O que antes era considerado uma brincadeira, passou a ser considerado arte e, claro, abriu oportunidades comerciais que expandiram a marca para diversos setores. Como parte de uma geração que cresceu com LEGO, fico feliz e admirado em perceber que embora a marca (que foi considerada a mais poderosa do mundo em 2015) tenha produzido ramificações em áreas completamente distintas de seu propósito original, jamais perdeu sua essência: tornar divertida a tarefa de combinar peças com o intuito de criar algo maior. 

Sucesso absoluto nos videogames ao combinar sua origem à franquias cinematográficas importantes (olha a essência aí), LEGO chegou aos cinemas pela primeira vez em 2014 com o excepcional Uma Aventura LEGO, que empregava a mesma irreverência de seus games para entregar uma história repleta de referências ao mundo pop e que divertia na mesma medida que emocionava. Esnobada pelo Oscar (embora indicado a melhor canção original), mas vencedora do BAFTA e indicada ao Globo de Ouro, a produção conquistou o público e arrebatou a Crítica. Claro que o sucesso alcançado geraria outros projetos, como LEGO Batman e LEGO Ninjago, ambos eficazes e seguindo a linha irreverente do longa de 2014. Portanto, depois desses derivados, a marca finalmente volta sua atenção para seu primogênito.

Agora sem a direção dos criativos Phil Lord e Chris Miller (cuja carreira decolou), a franquia segue sob a batuta de Mike Mitchell, experiente animador responsável por Shrek Para Sempre e o recente Trolls. Isto posto, é evidente que Mitchell não possui a mesma verve anárquica de Lord e Miller e, ainda que a dupla assine o roteiro, Uma Aventura LEGO 2 passa longe do bacanal de referências e explosão de cores de seu antecessor. Mitchell opta por seguir uma linha mais tradicional, investindo na clássica fórmula musical que, inicialmente, gera até certa estranheza.

Felizmente, mesmo que Uma Aventura LEGO 2 seja, de fato, menos imprevisível, é possível sentir a voz de Lord e Miller no texto a todo momento e os tais interlúdios musicais se transformam em momentos de puro deboche, tirando sarro (mais uma vez) de figuras sacras como o Batman e até mesmo a própria fórmula adotada (“ah, não, vocês vão cantar de novo?!” pergunta um personagem em certo instante). 

O fato é que a nova produção, provavelmente, ciente da imensa dificuldade auto-imposta pelo longa original, busca uma nova direção. E ao invés de surpreender com um ritmo tresloucado ou com aparições improváveis, o roteiro adota uma abordagem mais focada na emoção e no desenvolvimento de seus personagens, permitindo-se criar elos com a realidade (e com o primeiro filme) que são estabelecidos de forma eficaz através dos seres humanos. Com isso, somos apresentados à história de um adolescente que, em virtude de seu crescimento, mostra-se relutante em abraçar seus novos gostos, sejam eles musicais ou, no caso, de diversão. Afinal, ele perderá de vez a imaginação e se entregará a um novo mundo? 

Essas alegorias, exploradas de forma lúdica e didática na medida certa, conferem um peso dramático inexistente no longa de 2014 e um bem-vindo senso de continuidade. Aquela criança que brincava com Emmet ao som de “Tudo é Incrível” (ou “Everything is Awesome”, no original) e numa cidade repleta de cores, se tornou um típico adolescente americano, onde “Nada é incrível” e suas aventuras com Emmet agora acontecem num mundo pós apocalíptico com fortes referências a Mad Max e Fuga de Nova York. Dos relacionamentos mal resolvidos do protagonista, sai o pai e entra a irmã. Enquanto o pai era vilanizado pela dedicação excessiva ao trabalho, a irmã mais nova entra para acordar a criança que parece adormecida naquele adolescente cheio de rebeldia. E o paralelo entre Emmet e a criança interior do humano protagonista é concebido de forma brilhante pelo roteiro que ainda encontra espaço para incluir homenagens a alguns dos maiores clássicos de viagem no tempo da cultura pop.

Seguindo essa linha de referências, os produtos da Warner Bros. (lar da produção), voltam a ter destaque, com um lógico aproveitamento maior da figura de Aquaman, sucesso mais recente do estúdio. As transições que traziam os brinquedos sendo movidos manualmente e sob efeitos sonoros rudimentares (é o protagonista quem os faz) continuam rendendo boas gargalhadas, o que, diga-se de passagem, é o que acontece do início ao fim da projeção.

Ainda divertidíssima, a franquia LEGO permanece como um espetáculo de irreverência para todas as idades, com o bônus de entregar um arco dramático mais bem definido e com espaço para fortes emoções. 

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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