Sinopse

Bruce Banner, cientista dedicado a desenvolver uma cura para todos os tipos de ferimentos e doenças, recebe uma dose fatal de radiação gama e a partir de então, quando irritado, transforma-se em uma monstruosa criatura verde de força descomunal.

Ang Lee dirige Eric Bana (Bruce Banner) e Jennifer Connelly (Betty Ross).

O Diretor

Responsável por filmes leves com comentários sociais como Banquete de Casamento e Razão e Sensibilidade, dramáticos como Tempestade de Gelo e de ação poética como o oscarizado O Tigre e o Dragão, Ang Lee, diretor nascido em Taiwan em 1954, tem feito uma excelente carreira desde sua estreia com longas em 1992, mantendo um invejável posto como um dos mais versáteis diretores asiáticos da atualidade.

O Filme

Para quem ainda não sabe, Hulk é um super-herói criado em 1962 por Stan Lee e Jack Kirby para a Marvel Comics, hoje parte Marvel Entertainment Inc. Nitidamente inspirado nos personagens Dr. Jeckyl e Mr. Hyde de O Médio e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, Lee e Kirby adaptaram os personagens do romance para o mundo moderno e para o universo super-heróico. O personagem faz sucesso até hoje, representando nosso lado incontrolável, ou ID, para quem curte Freud.

O homem contra si mesmo é um dos grandes temas filosófico/literários explorados pelo cinema.
Me lembro de ter dado pulos de alegria quando apareceu a chamada para a série do Hulk na TV.

Entre 1977-82, Hulk ganhou uma série live-action própria que popularizou o personagem como nunca. Embora tenha alterado o nome de Bruce Banner para David Banner (por causa do Batman da TV, Bruce passou a ser um nome popular na cultura gay e os produtores homofóbicos não queriam que os espectadores fizessem essa relação com o personagem), reinventado sua origem e exibido um Hulk bem menos “incrível” em comparação com o original dos quadrinhos, a série foi um tremendo sucesso ao mostrar um homem atormentado fugindo de seu passado e ajudando pessoas pelas cidades onde passava, seja como ele mesmo ou como Hulk. A série ainda teve mais três longas especiais para a TV nos anos 90 e Lou Ferrigno, que interpretava o Hulk, ganhou pontas nessa versão e na semi-continuação da Marvel Studios.

O Hulk de Ang Lee custou 137 milhões de dólares e rendeu 245 milhões no mundo inteiro. Isso parece motivo para comemorar, mas segundo a lógica dos estúdios americanos, um suposto arrasa-quarteirão como Hulk deveria ter feito esse valor apenas dentro do mercado doméstico (EUA e Canadá) e nele, Hulk nem chegou a se pagar, atingindo apenas 132 milhões. Isso explica porque o filme não teve uma continuação e porque foi todo reformulado como O Incrível Hulk em 2008.

Na época, frustrado pela crítica dividida, a incompreensão do público e a pressão do estúdio, Ang Lee chegou a pensar em se aposentar, pois até então, toda sua obra só acumulara elogios e prêmios da crítica. Parece uma reação exagerada, mas na tradição oriental, a vergonha de fracassar em algo é sempre uma desonra muito grande. O próprio mestre Akira Kurosawa tentou se matar quando passou por uma má fase artística no final dos anos 60 e início dos 70. Mas até que não seria de todo ruim se alguns cineastas americanos, como Michael Bay e Rolland Emmerich (alemão naturalizado americano), adotassem essa prática salutar de se suicidar após fazerem dois ou três filmes ruins seguidos…

Apesar das boas cenas de ação com os cães-hulk, a batalha final era muito escura e não contemplou os anseios dos fãs em ver a destruição em massa que hoje prolifera nos novos filmes de supers.

Eu confesso que quando vi Hulk pela primeira vez, no cinema, achei o filme estranho, achei a edição exagerada em toda sua estilização para fazer o filme parecer uma história em quadrinhos e pior, achei que tinha pouco Hulk e pouca luta e destruição.

E o “problema” do Hulk de Ang Lee foi esse, ele não fez o que os fãs dos gibis queriam (muita porrada e luta de monstros) e nem o que os fãs da série queriam (um Hulk mais pé no chão e realista).

Ang Lee, como o autor que é, decidiu fazer o Hulk que ele viu nos quadrinhos: um homem traumatizado com seu passado e cuja vida sempre pareceu ter sido sempre controlada pelos outros, principalmente por figuras paternas, como seu próprio pai, David Banner (Paul Kersey / Nick Nolte), e pelo pai de sua namorada, o General Ross (Sam Elliott).

Nick Nolte (David Banner) faz o pai dominador, um cientista psicopata que anda com cães-monstros. Seu personagem e visual foram praticamente copiados do filme mexicano AMORES BRUTOS, onde um assassino-mendigo andava com uma matilha de cães.

E sufocado por ambos, Bruce Banner acaba fazendo em sua vida, o que muitos de nós queremos de vez em quando: quebrar com tudo e todos sem ter medo das conseqüências.

Claro, fica muito mais fácil arrasar com tudo se você se transforma em um monstro verde de 3 metros de altura virtualmente invulnerável e com a força de mil homens.

O diretor trabalha muito bem a carência paterna do protagonista e a dificuldade lidar com a mesma.

E por incrível que pareça, apesar do Hulk de Ang Lee ser mais humano que o da série de TV e lutar contra dois tipos de monstros no filme e mais o exército, o público talvez tenha ficado confuso com a importância dada ao drama de Banner, mais do que ao monstro. E pensar um pouco ou sentir empatia real pelos personagens principais não é uma característica da maioria das pessoas que vão ao cinema para ver filmes de super-heróis.

Outro aspecto que torna este Hulk tão interessante é a edição estilizada que busca emular o aspecto de uma história em quadrinhos ao extremo. Isso, obviamente, já foi feito em menor grau em outros filmes e séries de TV, incluindo a famosa série cômica do Batman nos anos 60. Mas graças às modernas técnicas de edição, Lee consegue momentos plasticamente belos na fusão de uma cena para outra. Claro que, até pela quantidade de efeitos de fusão e tela-dividida, nem sempre se acerta e às vezes até pode ficar um pouco confuso, mas esse é sempre um preço que se paga por querer apostar em uma linguagem à qual os espectadores não estão acostumados. Mas foi assim que toda a linguagem do cinema foi criada, apostando-se nelas.

Painéis, fusões, interações e recortes ao estilo quadrinhos foram uma decisão arriscada que tanto criou belos momentos quanto momentos constrangedores. Mas é melhor ter um cineasta que se arrisca do que um que só vai trabalhar pelo cachê no fim do trabalho.

Os efeitos especiais forma uma questão bastante importante no filme, pois fazia apenas 10 anos que Jurassic Park havia revolucionado Hollywood com efeitos digitais e reproduzir humanos e similares com uma boa reprodução da textura da pele, cabelos, olhos, poros, suor e pelos ainda não havia sido feito com grande sucesso e apesar do filme parecer datado em certos momentos, alguns outros ainda parecem bem contemporâneos. Isso se deve ao fato de que hoje os filmes são uma fábrica de produção em massa de efeitos digitais feitos com prazos apertados, o que dificulta um bom acabamento em muitos casos. Felizmente Ang Lee teve o tempo necessário e acredito que o que parece ruim nesse filme, foi mais por motivo de dificuldade técnica do que pressão para acabar mesmo. E um fato curioso é que não foi Eric Bana que fez o Hulk no traje de captura de movimento, mas o próprio Ang Lee, que se divertiu brincando de monstro.   

Eu, particularmente, acho que o Hulk CGI funcionava muito bem à luz do dia e não tão bem na escuridão.

E claro, não poderia deixar de comentar O Incrível Hulk (2008), de Louis Leterrier, diretor francês de filmes de ação, que pegou o personagem e o transformou em algo mais próximo do monstro dos quadrinhos e do cientista da série de TV. Ganharam os fãs, mas perdeu o cinema, que só ganhou mais um filme de super-herói cheio de efeitos bacanas e nada mais. Ao chamar diretores padrãozinho sem muita criatividade para poder manter controle absoluto, a Marvel Studios ganha de um lado e perde de outro.

Embora tenham se dado mal com a troca para Edward Norton, pois este causou muitos problemas durante a edição do filme. Felizmente acertaram depois chamando Mark Ruffallo para o papel de Banner e agora temos um Hulk, que como personagem, tem sido bem desenvolvido, mas os fãs ainda esperam um novo longa do monstro. E para quem acha que a Marvel não “fracassa” na bilheteria com seus filmes, este Hulk que faz parte do MCU custou 150 milhões de dólares e rendeu uma soma total de 263 milhões. A Marvel colocou um pouco mais de grana na produção e rendeu apenas um pouco mais do que a versão de 2003. Bem abaixo do sucesso de Homem de Ferro e da bilheteria honesta do primeiro Capitão América.

Bastante ação na versão de Leterrier, mas por incrível que pareça, a destruição que Hulk promove no filme todo parece menor do que a da batalha dele com Homem de Ferro em A Era de Ultron.

Mas enquanto um Hulk da Marvel Studios com um diretor genérico não chega, temos o Hulk de Ang Lee, que ao contrário dos seus sucessores, é uma daquelas pequenas jóias cinematográficas que vai servir como objeto de monografias, teses de estudantes de cinema e ser lembrado como um dos poucos filmes de super-heróis onde eles foram levados à sério e não meramente pensados para vender brinquedos e action figures para crianças e nerds.

Author

Diretor, roteirista e blogueiro terráqueo. Dirigiu alguns curtas, uma minissérie e tem três blogs, um canal no You Tube, uma página no Facebook e projetos para 10 vidas.

Comments are closed.