São mais de 40 anos interpretando Rocky, 8 filmes e uma carreira que várias vezes se confunde com a própria trajetória do boxeador. Assim como Rocky Balboa, Sylvester Stallone penou para conseguir seu lugar ao Sol. CreedMas seguindo nessa metáfora, Creed – Nascido Para Lutar foi concebido como uma homenagem ao veterano (ex) boxeador, mas seu sucesso junto ao público e à crítica (e uma merecida indicação ao Oscar) fez Sly ter dificuldades em resistir à tentação de uma continuação.

Mais uma vez como o mentor do jovem de personalidade explosiva Adonis Creed (Michael B. Jordan), Rocky assume de vez o posto de figura sábia responsável por guiar o filho de seu falecido amigo (tratado como irmão). E se já não há a solenidade da passagem de bastão, Adonis é inquestionavelmente a estrela da companhia, ficam as perguntas: O que falta a Rocky? O que adicionar a uma trajetória já plena? Stallone, autor do roteiro ao lado do novato Juel Taylor, enfrenta dificuldades para respondê-las, mas acerta ao manter os holofotes em Creed.

Passados 3 anos desde os eventos do longa-metragem anterior, Adonis é um campeão consagrado, dono de várias vitórias em sequência e prestes a pedir Bianca (Tessa Thompson) em casamento. Mas quando Viktor Drago (Florian “Big Nasty” Munteanu) surge como seu mais novo desafiante, tudo muda, pois trata-se do filho de Ivan Drago (Dolph Lundgren) boxeador russo responsável pela morte de seu pai, Apollo Creed, em plena luta. Claro que o retorno de Ivan traz dolorosas memórias a Rocky, que sente culpado por não ter parado a luta.

Em meio a esse turbilhão, Michael B. Jordan volta a explorar o lado mais forte da personalidade de Adonis: Vaidoso e dono de um ego tão grande quanto o seu talento, o lutador muitas vezes é impulsivo e toma atitudes questionáveis, sempre cego por seu orgulho. Nesses momentos, o espectador talvez sinta pelo personagem menos simpatia do que gostaria, o que se mostra fundamental para o desenvolvimento do seu personagem, principalmente após os eventos do primeiro encontro entre Adonis e Viktor.

Inteligente, Jordan traz vulnerabilidade a Adonis sempre que a emoção toma conta, embargando a voz ao sugerir alguém nitidamente necessitado de apoio. Justamente por isso, é difícil não torcer por seu personagem e seu relacionamento com Bianca. A moça, infelizmente, é relegada ao segundo plano, encaixando-se como a típica esposa de esportista, visto que sua carreira como cantora já não parece interessante aos olhos dos roteiristas, o que é uma pena se pensarmos no potencial desperdiçado.

Em contrapartida, o drama proveniente da deficiência auditiva de sua esposa e uma possível hereditariedade traz ainda mais camadas a Creed, seja o personagem ou o filme e desempenha papel crucial na motivação do boxeador e, principalmente no clímax, onde o inexperiente Steven Caple Jr. mostra seus dotes ao imprimir energia nos rounds entre Creed e Drago. Mas deixemos essa parte para depois.

Antes, é preciso reconhecer a forte guinada que a franquia Creed dá em direção à saga de Rocky, trazendo elementos em comum que vão desde personagens e trajetórias até mesmo à estrutura narrativa. Nesse último aspecto, Creed II está muito mais para uma continuação direta de Rocky IV do que Creed. Não que isso seja algo negativo, pois o entrelaçamento da  história de Creed e Rocky já está mais do que sedimentado e a presença ameaçadora de Dolph Lundren traz uma bem-vinda sensação nostálgica.

Lundgren retoma Ivan Drago com o peso da idade, mas sem grande avanço em termos dramáticos. O russo continua sendo aquele brutamontes de poucas palavras que representava a visão dos estadunidenses no auge da Guerra Fria. Isso, logicamente, é um problema já que estamos em 2019 e, por mais que o filme tente se aprofundar na família Drago, só reforça o estereótipo do “filho da Mãe Rússia”. O que sobra é o aguardado reencontro com Rocky e que faz jus às expectativas (quem assistiu a Rocky IV dificilmente se esqueceu do clássico “I Will Break You” com sotaque russo). Essa tensão latente é bem transmitida para a nova geração e amplificada pelo trauma vivido pelo jovem Creed.

Agora voltemos ao embate Creed X Drago, que é a grande atração do projeto. Se Steven Caple Jr. oferece uma direção burocrática nos momentos menos intensos (fruto de sua inexperiência), o mesmo não deve ser dito quando soa o gongo. O diretor mantém a câmera sempre muito perto dos lutadores e evita cortes bruscos, acompanhando os golpes com desenvoltura e levando o espectador a devorar suas unhas. A boa coreografia aliada ao design de som preciso ajudam a estabelecer a fidelidade do clima de uma luta real e é corroborada pelo ótimo design de produção que, através da mistura entre o azul e o branco, influencia a fotografia de Kramer Morgenthau que contrasta a beleza dos enquadramentos à brutalidade e ao frenesi da troca de golpes.

Reservando o clássico e arrepiante tema de Bill Conti para o clímax do combate, Creed II pode não ser tão brilhante como seu antecessor, e sua inclinação às convenções do subgênero dos filmes esportivos comprova isso (treinamentos, rivalidades, brigas com técnicos, oponentes inescrupulosos), mas é competente o bastante para render momentos de tensão e aflição ao espectador que terá extrema dificuldade em conter a empolgação diante dos rounds. Vida longa à parceria de Rocky e Creed.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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