[SEM SPOILERS] Há, mais ou menos, 10 anos, Samuel L. Jackson surgia pela primeira vez na pele de Nick Fury para anunciar a Tony Stark um ambicioso projeto chamado Iniciativa Vingadores. Vingadores Guerra InfinitaE depois de 18 filmes de sucesso e uma marca mais que estabelecida, a grande franquia que se tornou este chamado ‘Universo Cinematográfico Marvel’ finalmente chega ao seu clímax, ao colocar seus super-heróis em rota de colisão com o poderoso Thanos, encerrando uma expectativa que vinha sendo alimentada há mais de meia década e que marca também a culminância de um admirável planejamento a longo prazo. Afinal de contas, são várias franquias individuais se unindo, e, simplesmente, TODOS os super-heróis do estúdio no mesmo filme. Já pensou se, depois de uma década de espera, esse aguardado crossover fosse decepcionante? Pois, Vingadores Guerra Infinita pode não ser uma obra-prima, mas comprova que a espera valeu a pena.

Escrito por Christopher Markus e Stephen McFeely (Capitão América: Guerra Civil), o roteiro segue a tradição Marvel em repercutir suas produções anteriores, mostrando que as consequências de Capitão América: Guerra Civil ainda são sentidas, afetando não só o relacionamento de Tony Stark e Steve Rogers (que já não se falam mais), como também o famigerado Tratado de Sokovia continua em vigor, o que acabou ocasionando o exílio de alguns membros dos Vingadores e a prisão de outros. Mas com a iminente chegada do maligno Thanos, todos deverão se unir para impedir o pior.

Abrindo a narrativa com uma sequência que continua exatamente de onde Thor: Ragnarok parou, Thanos logo diz a que veio. Determinado e cruel, o titã assusta não apenas pela rapidez e a força de seus golpes, mas sim pela facilidade com que os aplica em ninguém menos que Hulk. Mas Thanos não é o tipo de antagonista que se resume a força bruta, visto que seu maior objetivo vai muito além de conseguir as cobiçadas Jóias do Infinito. Notou que estou evitando tratá-lo como um vilão? Explico.

Ao lado do Killmonger de Pantera Negra como o mais fascinante antagonista do ‘Universo Marvel’ até agora, Thanos (Josh Brolin) busca o poder não para ter o prazer de subjugar civilizações e destruir planetas. Seu objetivo não é dominar a galáxia e, sim, trazer equilíbrio a ela. Vislumbrando um futuro onde o desequilíbrio traz efeitos colaterais catastróficos, o Titã não quer que o universo tenha o mesmo fim de seu planeta natal e, se seus meios envolvem a morte de inúmeros inocentes, não é ele quem os escolhe: ‘São pessoas aleatórias, sem distinções ou privilégios. Imparcial’, argumenta em determinado momento. Incompreendido? Talvez. Louco? Provavelmente. Mas seria leviano atribuir um rótulo maniqueísta às suas motivações. Ele pode até estar errado, mas ao menos acredita estar fazendo a coisa certa. Ou melhor, ele acredita ter ‘a vontade necessária de fazer o que é certo’.

Por isso, quando o vemos derramar lágrimas numa cena-chave ou distrair uma criança enquanto seus conterrâneos são dizimados, percebemos que por trás de toda aquela loucura radical, há um ser que sente as consequências de seus atos. Esse grau de desenvolvimento surpreende (e até espanta) justamente graças ao notável desleixo com que a Marvel vem tratando seus vilões nessa última década (com exceção do supracitado Killmonger). Um desleixo que nem de longe poderia ser apontado quando falamos de seus super-heróis.

Neste aspecto, Guerra Infinita, além de quebrar o recorde de super-heróis num mesmo filme, merece aplausos por dar importância a cada participação, seja ela pequena ou grande. Claro que com tantos personagens, alguns acabam tendo tempo de tela reduzido, mas não há dúvida de que um dos maiores trunfos desta produção reside no respeito (ou veneração?) com que esses personagens são tratados. Há espaço para todos e nenhuma presença é gratuita.

Se Tony Stark (Robert Downey Jr.) acaba tendo o costumeiro destaque por ser interpretado pelo ator mais bem pago talentoso do elenco (além de sua importância óbvia), isso não impede que Thor (Chris Hemsworth), tão mal tratado em seus filmes individuais, seja o personagem mais interessante entre os mocinhos: Confesso que nunca tive simpatia pelo Deus do Trovão, mas sua trajetória, depois dos acontecimentos de seu terceiro filme, o transformou numa figura melancólica, trágica, mas também (através de suas recentes descobertas) no mais poderoso dos Vingadores, sendo protagonista de algumas das mais espetaculares sequências de ação do filme (além de arrancar boas gargalhadas ao interagir com os Guardiões da Galáxia).

E já que citei as gargalhadas, percebe-se que a ‘Fórmula Marvel’ permanece intacta, o que já prejudicou várias produções (principalmente as estreladas por Thor), e que também acomete Guerra Infinita: uma coisa é um personagem ameaçar Thanos enquanto debocha de seu queixo singular, outra é colocar alguém tropeçando e caindo no meio de uma grande batalha. Porém, sacrificar o equilíbrio da narrativa em prol de uma atmosfera mais leve já virou uma estratégia e não seria diferente dessa vez.

Por falar em estratégia, a idéia de introduzir um conflito entre Bruce Banner e Hulk mostra-se confusa, já que nunca é esclarecido plenamente o motivo do gigante esmeralda recusar-se a ‘ajudar’ Banner, resultando em momentos bobos demais para funcionarem como gags e dramaticamente ocos. Esse deslize, ao menos, representa uma pequena parcela do roteiro, prejudicando apenas a participação de Mark Ruffalo, já que a presença de Banner não se justifica nem mesmo cientificamente, uma vez que seus conhecimentos são eclipsados pelos de outra personagem.

Em contrapartida, Guerra Infinita merece aplausos por jamais perder a atenção do espectador, mesmo com sua longa duração. Méritos para a boa direção dos Irmãos Russo (Capitão América: Guerra Civil) que conduzem a ação com mãos firmes, demonstrando disciplina e criatividade, com destaque para as sequências que combinam personagens, como aquela com Star-Lord (Chris Pratt), Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) e Homem-Aranha (Tom Holland). Mas a grande sacada do projeto, e maior responsável pelo bom ritmo da trama, reside no ótimo trabalho de montagem da dupla Jeffrey Ford e Matthew Schmidt (Adivinha? Sim, Capitão América: Guerra Civil): Com vários conflitos acontecendo e um número assustador de personagens, a dupla opta pela montagem paralela, fragmentando o filme entre várias subtramas.

O resultado é um filme entrecortado, mas com uma sucessão de acontecimentos que sempre geram o interesse em saber o que acontecerá a seguir. Enquanto Thor e mais dois personagens vão atrás de uma arma, por exemplo, um grupo de personagens luta com Thanos em seu planeta-natal, ao passo que outro grupo tenta se defender de um ataque, e assim por diante. E com a interrupção dos confrontos para se concentrar em outros, o espectador fica numa expectativa quase (perdoe o trocadilho) infinita, impedindo que retomemos o fôlego já que sempre está acontecendo algo com algum personagem querido.

Depois de se ausentar em Vingadores: A Era de Ultron, o veterano Alan Silvestri (do inesquecível Jogador Nº 1) retoma a parceria com a Marvel e investe no carismático tema que concebeu para o super-grupo, tomando a decisão de incluí-lo sempre que um de seus membros surge em cena, o que, naturalmente, ajuda a provocar vibrações efusivas de seus fãs. Contudo, o destaque de sua composição fica para a melodia que acompanha Thanos, numa bela combinação de tons suaves (através do violino) e acordes graves (que ressaltam a natureza sombria seus atos).

Por fim, Christopher Markus e Stephen McFeely são inteligentes o bastante para perceberem que uma trama básica seria a melhor decisão para a já tumultuada história de Guerra Civil. Isso posto, o filme resume-se a uma reunião de super-heróis interagindo entre si enquanto tentam impedir o sucesso de Thanos, num fiapo de narrativa que se mostra muito mais interessante, apesar de menos arriscado. Ora, convenhamos, uma trama como essa poderia carecer de muitos elementos, menos de complexidade.

Complexos, de fato, são os excepcionais efeitos visuais utilizados para a criação de Thanos, que surge espantosamente realista (note as marcas de expressão em seu rosto). Além disso, com a tecnologia de performance capture, Josh Brolin não só empresta suas características visuais ao gigante roxo, como também é capaz de oferecer uma ótima atuação, permitindo que o público identifique seus habituais maneirismos e também um grau de expressividade que só evidencia o avanço dessa tecnologia no Cinema.

Avanço este que é refletido como um mero recorte dentro do ‘Universo Marvel’. Como se, numa corrida, onde apenas a largada e a chegada interessasse. do Por mais que o filme tente nos distrair com um bombardeio de sequências de ação, várias questões levantadas tempos atrás são solenemente ignoradas quando a chance de respondê-las aparece. Ao que tudo indica, a produção parece acreditar que o interesse será muito maior pela adrenalina da batalha do que por seus meandros, chegando ao ápice na cena onde a Viúva Negra (Scarlett Johansson) finalmente reencontra Bruce Banner (após a separação vista em Vingadores: Era de Ultron), e ao invés de acompanharmos um diálogo que esclareça a nova fase desse relacionamento, somos esbofeteados com mais uma piada, comprovando a irritante mania da Marvel de resolver seus problemas através do humor, como uma criança dissimulada.

E o que dizer da mudança experimentada por Visão (Paul Bettany) e Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen)? Claro que ao invés de esclarecimentos, a primeira cena dos dois culminará em mais uma sequência de ação.  Muitos argumentarão que a formação desse casal já era esperada devido aos acontecimentos dos quadrinhos, mas precisamos sempre reforçar a lembrança de que um filme deve funcionar por si só, sem depender de outras mídias. Ao ignorar isso, vários espectadores não familiarizados com a história original sentirá o peso da lacuna.

Assumindo-se como uma uma espécie de ‘Tragédia Grega Super-Heroica’, Vingadores: Guerra Infinita ainda se dá o luxo de flertar com a tolice, ao encerrar sua projeção com um artifício que já nasce inconcludente a partir do momento que tenta convencer o espectador de uma ideia que nem mesmo a mais inocente das crianças seria capaz de comprar. Mas não custa reconhecer os esforços da Marvel de construir um final lúgubre para seus auspiciosos personagens.

Tão divertido quanto suas melhores produções, Vingadores Guerra Infinita jamais nos permite sentir as quase duas horas e quarenta de projeção, proporcionando, ao invés disso, uma história ágil, repleta de ótimos momentos e com um incomum tom sombrio proveniente de um formidável antagonista. E, se um super-herói é tão bom quanto seu antagonista, os Vingadores estão de parabéns…

Observação: Obviamente, há uma cena adicional após os créditos finais.

Observação 2: Por ter sido gravado com câmeras IMAX, a melhor experiência de assistir ao filme é numa sala IMAX. Até mesmo o 3D deixa de ser uma mera desculpa para aumentar o preço do ingresso.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...