Em 2015, três amigos estadunidenses resolveram planejar uma viagem. Mal sabiam que estavam destinados a um feito heróico…
Spencer, Alek e Anthony estavam a bordo de um trem rumo à Paris, quando perceberam um homem armado prestes a causar uma tragédia. Foi então que o trio resolveu agir e impedir o pior, nocauteando o terrorista e salvando centenas de vidas do que seria um massacre certo.
Conhecendo Hollywood, estava na cara que, mais cedo ou mais tarde, um filme contaria essa história para o mundo, só que os três amigos jamais poderiam imaginar que eles mesmos seriam as grandes estrelas dessa produção.
Sim, foi isso mesmo que você entendeu. O diretor Clint Eastwood, insatisfeito com as audições do estúdio, resolveu inovar e ofereceu os papéis aos próprios heróis, oportunizando a comprovação da máxima “se você quer algo bem feito, faça você mesmo”. Porém, os problemas começam quando nos damos conta de que Alek Skarlatos, Spencer Stone e Anthony Sadler não possuem talento para a atuação, e não demora muito para que os efeitos colaterais apareçam.
Some isso a um roteiro que parece não ter o que dizer além do fato histórico e o estrago está feito. 15h17 – Trem Para Paris é um filme que beira o amadorismo ao tentar transformar um episódio curto num longa-metragem de 90 minutos.
Apresentando o mesmo problema de Sully – O Herói do Rio Hudson, trabalho anterior de Eastwood, o roteiro de 15:17, de fato, não consegue esconder que o ato de heroísmo é seu único ponto relevante, a prova disso é a antecipação do clímax através de breves flashforwards durante os dois primeiros atos, como se tivessem a intenção de lembrar ao espectador do motivo que o levou a assistir ao filme. Ou insistir com ele, no caso.
Afinal de contas, por melhores que sejam as pessoas por trás do episódio, suas vidas não soam cativantes ao ponto de despertarem nossa curiosidade. Aliás, muito pelo contrário, pois Clint Eastwood conduz o extenso flashback que conta a infância dos três protagonistas da forma mais burocrática possível, utilizando, inclusive, clichês sonolentos como bullying mal desenvolvido. E mesmo quando o roteiro parece indicar um rumo interessante, como ao sugerir um comentário sobre a cultura belicista que desde cedo já é alimentada, o veterano cineasta logo o abandona, preferindo manter seu foco nas triviais peripécias de seus jovens protagonistas.
Nem mesmo o bom subtexto que parece interligar os problemas das crianças com a religião de suas mães (solteiras, por sinal), parece atrair a atenção de Eastwood, que, desta vez, prefere uma abordagem que purifica as crenças daquelas mulheres. Por isso, quando uma professora aconselha a mãe de Spencer a procurar ajuda médica para melhorar a concentração do filho e evitar que este vire “estatística”, a resposta “meu Deus é maior que sua estatística” provoca ainda mais impacto ao comprovar a ignorância da mulher frente ao notório problema de TDA (Transtorno de Déficit de Atenção) do filho.
Já o elenco profissional faz o que pode com o fraco material que recebe, em especial Judy Greer (Homem-Formiga), que confere calor humano e firmeza a uma personagem que jamais deixa de soar como uma mãe amorosa, apesar de seu apego cego à religião, ao passo que Jenna Fischer (da finada série The Office) é ainda mais prejudicada pelo roteiro, já que é submetida a falas que apenas cumprem a função de esclarecer didaticamente a trama para o espectador, tratando-o como uma criança com… TDA.
E por falar nos diálogos, é irritante ouvir personagens repetindo o tempo todo o que acabaram de ouvir, numa espécie de tortura verbal da estreante Dorothy Blyskal, que demonstra uma perigosa falta de substância, convertendo uma simples conversa numa verdadeira, e artificial, troca de informações expositivas, enfraquecendo não só a naturalidade das cenas, como também distanciando-as da verosimilhança. E o que dizer do momento em que um personagem, diante do Coliseu (que enche a tela) solta um infame “Olha, o Coliseu!”?! Ou a cena onde um dos protagonistas aproveita a escultura de um imenso cavalo de bronze para mandar um brilhante (e hilário) “estou faminto como um cavalo!”.
Sem diálogos interessantes e com uma história banal, talvez os personagens possam salvar o filme, certo? Errado, pois Alek, Anthony e, especialmente, Spencer podem até ser (e são) heróis inquestionáveis, mas profundamente enfadonhos como personagens. Isso fica evidente no longo segundo ato que nos obriga a testemunhar toda a viagem de Spencer e Anthony pela Europa, num momento onde o filme parece ter se transformado num programa de um TLC ou Discovery Travel & Living da vida. Para piorar, 15:17 mergulha esses momentos numa espiral de futilidade que não hesita em colocar os amigos na pele de seres incapazes de pronunciar uma frase sem incluir uma gíria, ou de dizer algo que não esteja óbvio na tela, isso para não mencionar as pérolas de envolvem um discurso de adoração ao famigerado Pau de Selfie (isso mesmo), constatações de cansaço e tentativas frustradas de flerte (e que jamais seguem adiante, por sinal).
E infelizmente é preciso reconhecer a falta de talento dos três protagonistas, que falham miseravelmente como atores, a começar por Spencer Stone: inexpressivo e dramaticamente opaco, ele até se esforça, mas suas melhores cenas são aquelas em que surge cumprindo seu ofício como militar (sua vocação real). Já Alek Skarlatos embora simpático, é outro que não justifica nosso investimento emocional, já que nem o roteiro deixa de tratá-lo como o que de fato é: o recurso narrativo que une os três protagonistas no clímax. E embora Anthony Sadler demonstre algum carisma, é relegado a um papel pequeno e pouco aparece.
Finalmente, a direção de Clint Eastwood revela-se uma das mais desleixadas de sua longínqua carreira, o que fortalece ainda mais a impressão amadora que o filme passa. Não bastasse o parco material humano, Eastwood também não demonstra esforço para elevar o patamar do filme, limitando-se a um estilo burocrático e sem personalidade, refletido nas tomadas simples, quase documentais e que corroboram, mais uma vez, o tom amador.
Para piorar, o aspecto técnico segue o padrão do filme, começando pelos pífios efeitos sonoros (repare no som datado dos socos desferidos no terceiro ato), passando por uma montagem letárgica e que prejudica irremediavelmente o ritmo da narrativa (o baixo número de cortes tem grande parcela de culpa), até culminar numa fotografia esquecível, o que, em parte, ajuda a ilustrar o caráter casual da trama.
Isso tudo, como é possível concluir, resulta numa experiência irregular e extremamente enfadonha, soando fútil em alguns momentos e desinteressante em muitos outros, o que é uma pena, pois ao invés de engrandecer a imagem de seus heróis, acaba tendo efeito oposto, expondo muito mais o lado humano do que o extraordinário.
E se tudo é feito tendo o clímax em mente, resta a constatação de que nem mesmo o carro-chefe da produção é bem conduzido, transcorrendo com rapidez e sem o devido destaque. Vai ver, Clint Eastwood estava mesmo desinteressado. E quando nem mesmo o próprio diretor demonstra entusiasmo, porque os espectadores deveriam?
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