O novo filme de Rafael Primot , Todo Clichê do Amor, ao abordar um tema tão recorrente no mundo das artes, poderia facilmente ter sido apenas mais um filme brasileiro de comédia romântica que tenta imitar os moldes do cinema americano.  Porém, Primot, felizmente, deixa essa saturada fórmula de lado e cria um belíssimo filme autoral.

O diretor acerta, como já evidenciado no próprio título, ao não negar a simplicidades das relações humanas. Sem complexos de grandeza e invenções mirabolantes, Rafael Primot retrata o tema do amor por aquilo que de fato é, um sentimento abstrato, muitas vezes confuso, porém, comum a toda gente.

Utilizando-se dos próprios clichês para se reinventar, o roteiro, desenvolvido por Primot a partir de uma peça de teatro escrita pelo mesmo, é permeado de trechos poéticos que flertam com a pieguice, no entanto, isso apenas serve para potencializar a força do longa-metragem.

Um elenco de peso ainda reforça as nuances do filme. Marjorie Estiano merece especial destaque por uma interpretação inteligente e precisa como uma prostituta que anseia engravidar do marido, um ator pornô. Sem dúvidas, a atriz contribui para grande parte do encanto do longa.

Maria Luiza Mendonça, não muito atrás, também merece complementos ao dar vida a desajustada e solitária madrasta recém viúva. Sem deixar se tornar over, a atriz soube achar o ponto de equilíbrio exato entre extravagância e naturalismo. Algo que entrou em choque, no entanto, com a interpretação de sua companheira de cena, Amanda Mirásci. Em seu primeiro longa-metragem, a novata, apesar de aparentar força como atriz, ainda não se encontrou na linguagem cinematográfica, apresentando uma interpretação demasiado teatral que destoou do resto do elenco.

Débora Falabella interpreta uma garçonete, professora de libras nas horas vagas. Uma personagem menos interessante do que as duas primeiras citadas, porém, a atriz consegue provar seu já conhecido talento em uma comovente declaração de amor feita por linguagem de sinais.

Aliás, é valido apontar essa nova tendência inclusiva do cinema atual, vide o vencedor do Oscar “A Forma Da Água” de Guillermo del Toro e o recente “Um Lugar Silencioso” de John Krasinski. No entanto, o filme de Primot aborda outras deficiências, como uma adolescente surda, uma mulher cega e até um homem sem paladar. Segundo o diretor, isso serve como metáfora de uma deficiência das pessoas para se abrir para o amor. Assim, Rafael Primot deixa claro que o sentimento do amor nada mais é do que o afloramento e retração dos cinco sentidos.

Um longa de fragmentos, três histórias principais apenas se cruzam brevemente, nos minutos finais. Como uma boneca russa, uma se encontra dentro da outra. Enquanto um núcleo é apresentado como realidade o outro se torna ficção, virando, por exemplo, enredo de livro, filme e até rádio-novela.

Não se pode deixar de citar o trabalho de ator de Rafael Primot que também protagonizou seu filme. Tal como Orson Welles, em uma banda de um homem só, Primot soube gerenciar bem sua tripla função de diretor, ator e roteirista.

Além disso, vale mencionar a interpretação da veterana Gilda Nomacce com excelente timing de comédia. Eucir da Souza também se destaca, rendendo uma das cenas mais bonitas do filme em que seu personagem, o homem sem paladar, conta ter se apaixonado pela mulher, que é cega, ao preparar uma sobremesa de morango. Ele, como seus olhos, descreve a ela a aparência do morango. Ela, como sua boca, descreve a ele o gosto da fruta.

Com fortes referências ao cinema francês, o longa-metragem cria áurea semelhante a “Amelie Poulain” de Jean-Pierre Jeunet, “Aphaville” de Godard e grande parte dos filmes do diretor Claude Lelouch que recorrentemente aborda o tema do amor.

Em sua segunda direção, Primot cria um filme delicado e, ao mesmo tempo, visceral e que, certamente, é tudo menos um clichê.

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Atriz e estudante de Jornalismo. Amo uma boa música de fossa, filme europeu que ninguém entende e livro de sebo daqueles que cheira a mofo

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