Jovan é um garoto comum: ele vai para a escola todos os dias, tem uma família amorosa e vive brincando em seu quarto. Mas é em sua mente que a magia acontece, onde é capaz de vier intensas aventuras como o alter-ego de Shade, um super-herói implacável. Como eu disse, Jovan é um garoto comum, mas que sofre de paralisia cerebral parcial.
Só de dar voz a uma criança portadora de paralisia cerebral, o sérvio Shade: Entre Bruxas e Heróis já mereceria aplausos, mas sua maior virtude é a forma como lida com a vida de seu protagonista. Dotado de uma imaginação pra lá de fértil, Jovan vive dividido entre dois mundos: o da sua imaginação e o real. Claro que a fantasia lhe cai melhor, pois nela não há problema sem solução e, obviamente, não há nada comparável ao fato de ser um super-herói, sejamos honestos. Mas a realidade, apesar de dura, não é retratada com sensacionalismo pelo filme.
Há pinceladas sobre bullying, com Jovan sendo chamado de aleijado algumas vezes, e só. O diretor Rasko Miljkovic não está interessado no melodrama fácil e nem em usar a deficiência como forma de humor, optando por uma abordagem que prioriza a amizade entre Jovan e a menina Milica. Sem precisar de cuidados especiais, a menina serve como um contraponto eficaz a Jovan, graças ao curioso contraste que se forma: Jovan vive a dura realidade de caminhar com dificuldade, mas mora num lar aconchegante com seus pais amorosos, ao passo que Milica, sem qualquer tipo de problema físico ou psicológico, mora num lar diametralmente oposto em atmosfera.
Morando de favor com a mãe na casa da avó, Milica aguarda, com expectativa, o momento de reconciliação de seus pais, que estão separados. Aliado à falta de afeto, essa apreensão transforma a garota numa figura amarga por fora, mesmo que borbulhante por dentro. É nesse cenário que sua imaginação acaba aflorando, ao enxergar a atual namorada do pai (estopim evidente da separação) como uma bruxa que o enfeitiçou.
Com uma fantasia dessas em mente, Jovan surge o parceiro perfeito para a aventura de libertar seu pai das garras da maligna bruxa. O problema é que a realidade é bem mais complicada e ela vai descobrir isso da pior forma. É quando ela percebe que a vida pode ser bem menos dolorosa na companhia de um bom amigo, que lhe abre os olhos para a nova realidade.
Essa dinâmica entre os jovens atores é conduzida com extrema leveza e graciosidade, muito em função das ótimas performances do casal: Mihajlo Milavic compõe Jovan como uma criança adorável, sempre gentil, investindo numa fala entre dentes que só ratifica sua natureza, absorvendo a fragilidade de seu corpo não como uma muleta dramática. Embora ainda muito jovem, Milavic exibe uma presença de cena de fazer inveja a muitos marmanjos tarimbados por aí, brilhando até mesmo nas sequências mais intensas como o momento onde Jovan decide subir uma escada sem ajuda. Já Milica é vivida por uma Silma Mahmuti que faz bem o papel de durona, deixando transparecer que por trás daquela fachada amarga, esconde-se uma criança de enorme coração.
A química entre os dois é inegável e compensa os efeitos visuais rudimentares da produção, visivelmente de baixo orçamento. Mesmo assim, se os efeitos não chegam a comprometer, pequenos deslizes atrapalham o envolvimento do espectador. Ao cair de costas, por exemplo, Jovan mostra o braço machucado num ponto onde seria impossível haver tal ferimento, enquanto que a câmera, em certos momentos, move-se muito lentamente, como ao demorar a focar Jovan em seu quarto.
Utilizando a inocência das crianças como âncora emocional, Shade: Entre Bruxas e Heróis se afasta do tentador clichê de construir uma história de redenção, optando por construir uma fábula protagonizada por um herói improvável. Embalado por uma trilha melódica e nada manipuladora, Zlogonje, no original, é uma pérola aguardando ser descoberta.
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