*** SPOILERS ***
Há tempos digo que parte do público novo de Game of Thrones passou a seguir a série por causa da audácia de GRRM de eliminar personagens importantes subitamente. Ocorre que isso faz parte da estratégia do escritor para mergulhar Westeros no caos para que cada vez mais personagens aspirem ao Trono de Ferro.
Enquanto a disputa política esfarela o reinos dos homens, Martin costura meticulosamente a fantasia com criaturas dotadas de magia, entidades sobrenaturais e a bipolaridade que constitui a canção de Gelo e Fogo, que dá nome a essa coisa toda. Ou seja, olhamos a trama política que de nada terá servido quando Caminhantes Brancos e seja lá o que for R’lhor disputarem o mundo.
Por conta disso, a HBO e os criadores D&D partiram para a mais desastrosa das temporadas. Ao se aventurarem como contadores de história (o que é válido!) longe do material original (o que é arriscado!), D&D mostraram que… não sabem contar histórias. Excelentes produtores, ótimos roteiristas. E contadores fracos.
Cederam ao clamor público e, no geral, perderam a mão, restando poucos lampejos de debate social, especialmente sobre a violência gratuita e nossa relação com ela, como por exemplo a morte de Joffrey quando ele aponta o dedo para a câmera acusando o espectador de tê-lo matado. Ou mesmo a cena de sexo entre Cersei e Jaime no septo, onde o público amou reclamar de estupro, mas ignorou que era sexo entre irmãos, dentro da “igreja” ao lado do filho morto. Momentos como esses escaparam pelos dedos de D&D e eles realmente decidiram entregar aquilo que o público quer ver.
Lógica semelhante a de novelas. Ano que vem, podemos ter uma revista semanal e um programa da tarde falando dos spoilers. Imagino uma bizarra união entre Lannister e Stark, o Leão Lobo dizendo “Você não pode perder que nesse domingo a Cersei vai morrer!”.
Pois sim, já tivemos a seguinte cena:
– Myrcella Maria Rojas… eu… sou…
– Não diga, Jaime Palilo… eu sei quem voc… – e morreu.
Ao menos vimos a que vieram as Serpentes de Areia, embora tenham entrado e saído da temporada como figurantes de luxo.
Fato é que D&D não faziam a menor ideia do que fazer com personagens espalhados por aí. Jura que diante de uma infinidade de possibilidades o que vemos são arcos (não) terminados da Sansa (apenas uma sugestão do Homem Encapuzado de Winterfell) saltar com Theon do muro e… ok? Depois disso vemos Brienne-ex-machina encontrar Stannis ANTES de Ramsay ou de Roose? Alguém realmente engole que Brienne andaria por ali sem que ninguém percebesse sua presença? E Pod? Nenhum desenvolvimento do personagem que um dia salvou Tyrion na Batalha da Água Negra?
E nessa ânsia de causar impactos e mais impactos, D&D apresentaram um roteiro corrido, com soluções rápidas e preguiçosas para a maioria dos personagens, exceto, obviamente, Cersei e Jon – mas falamos disso ao final do texto.
Isso fica claro quando vemos o desfecho de Meryn Trant nas mãos de Arya, uma bola cantada há muito tempo. Absolutamente desnecessário o momento que precede a morte de Trant. Não bastasse o tipo de cavaleiro que todo mundo já odiava, não bastasse a pedofilia e própria interpretação exagerada do ator que não faz nada muito além de caretas para parecer ainda mais desprezível, D&D ainda incluem espancamento de crianças. Não precisava. Ninguém precisava odiar ainda mais Trant. E todo esse arco? Serviu pra deixar Arya ainda mais assassina (se é que é possível) e com um cliff hanger muito mal explicado da forma em que foi executada a mise-en-scène.
Não que tudo seja um horror. David Nutter é de longe o melhor diretor da quinta temporada. Seu maior mérito foi extrair excelentes interpretações do elenco principal. Gostei bastante também dos planos aéreos que mostravam a fragilidade do exército de Stannis, o mesmos planos aéreos que mostravam a imponência da sua cavalaria quando derrotou Mance ao final da quarta. Uma rima estética que emoldurou a tentativa de Stannis de lutar até o final, um rei solitário, que perdeu absolutamente tudo o que tinha graças à sua devoção a uma religião.
UPDATE: aparentemente Nutter e D&D tentaram (não consigo afirmar se conseguiram) usar uma metalinguagem para o fim do poder centralizado em uma pessoa. Assim, cada desfecho foi icônico representando a condenação, a queda, o isolamento, a punição com misericórdia e a traição.
Um ponto positivo, entre tantos pontos narrativos negativos, foi ver esse preço do fanatismo. E isso sim tem um peso. Li aqui e ali que todo mundo repudiava o fanatismo daqueles evangélicos de Westeros. Porém, com a habilidade de GRRM, aquele fanatismo julgou e puniu Cersei e… as pessoas aplaudiram. Percebe o quanto isso é tosco na nossa sociedade (ocidental, o que inclui a turma do norte, a Europa e nós aqui)? Repudiamos as ações do Alto Septão até que ele consiga punir alguém que desprezamos e então damos uma pausa no cérebro para comemorar atrocidades e, quem sabe, pedir intervenção militar. É exatamente isso que está nas entrelinhas do núcleo de Cersei que, justiça seja feita, salvou parte da temporada com o trabalho excepcional de Lena Headey (ela merece ao menos a indicação de melhor atriz pela performance em três oportunidades nesse ano).
O núcleo de Dany e Tyrion também tiveram interessantes avanços, mas também ficaram abertos. Dany não teve o pior encerramento de temporada (afinal, termina como nos livros), mas teve o pior arco das cinco feitas até aqui. Por exemplo, ninguém dará a mínima para o que aconteceu com Hizdahr zo Loraq (se é que algum expectador sequer percebeu a presença dele a ponto de lembrar seu nome – culpa de D&D e não do espectador) e a maneira como ela termina, cercada por dothrakis, cria uma rima visual de quando ela foi cercada pelo povo, o que é interessante.
Ainda assim, já que tantas foram as alterações do material original, na minha opinião, e por justificativas meramente dramáticas, terminaria sua participação com o voo de Drogon. Já que fizeram isso com Sansa e com Stanis por que não deixar seu paradeiro ainda mais incerto? Funcionaria ao menos para dar um tom épico na personagem que mais cresce na série. Visualmente, Drogon dispensa comentários, acredito que tivemos a melhor imagem dele até o momento, ali, fragilizado e com todos os detalhes à vista. Escamas, espinhos, músculos, tecido das asas… tudo impecável.
E por falar em fragilizado, Jon Snow teve, talvez, o único arco (bem) encerrado, com começo-meio-fim, tudo plantado desde sua decisão de trazer os Selvagens para Castelo Negro. Se nos lembrarmos bem, há uma conversa com Olly lá na metade da temporada que começou a desenvolver esse desfecho e que teve ainda um detalhe sutil: Melisandre de volta. Aqui confesso que tinha a expectativa de ver o Rei da Noite trazer o corpo de Jon Snow para que ele lutasse ao lado dos Caminhantes Brancos, mas é bem provável que a presença de Melisandre sirva para trazer Jon de volta, assim como Thoros de Myr trazia Beric Dondarion à vida várias vezes. Antes de tudo isso, a ida de Sam para a cidadela traz contornos especiais ao personagem, especialmente se ele realmente se tornar um meistre.
Pela primeira vez em cinco anos, não sinto aquela saudade da série depois de ver o último episódio. Nem um pouco. No geral, a quinta temporada foi bastante decepcionante. Não pelas alterações, mas porque as alterações foram ruins. Benioff, que já transformara a guerra de Tróia de dez anos pra dez dias, agora reduziu uma das melhores fantasias a cenas (bem executadas) de violência por puro entretenimento.
Gostaria muito que resgatassem a essência do debate de temas polêmicos usando a violência como linguagem pra mostrar o quanto devemos questionar nossas certezas. GRRM faz isso e eles também fizeram isso no passado. Talvez o problema esteja na renovação de contratos para duas temporadas…
Quando era ano a ano, eles tinham muito mais cuidado.
3 Comments
Li um comentário em que a pessoa dizia: “O Sacrifício de Shireen não serviu para o Stannis”
Até então estava em dúvida se Jon Snow voltaria ou não dos mortos mas, ao ler o comentário e refletir no olhar da Melisandre ao saber da deserção de alguns soldados e perceber que a guerra estava perdida e o sacrifício tinha outra finalidade ela saí não por medo como foi minha primeira impressão mas, por entender que algo iria ocorrer com alguém importante no propósito do Deus dela.
A impressão que tive, depois de tantas mudanças e adaptações, é que não existem pouquíssima coisa para ser aproveitado do material original. Então, fica a questão: sem a base, ainda que desconstruída, George Martin, a sexta temporada vai ser boa? Vejo um futuro sombrio para série.
[]’s
Li todo o texto. Respeito seu ponto de vista, mas na minha sincera opinião, você falou muita bobagem separada uma da outra por espaços e parágrafos. Julgou como erros diversos pontos que dificilmente causariam tamanho impacto no espectador da série se fossem diferentes. Se você é tão bom assim ao ponto de praticamente ‘ridicularizar’ a incrível percepção dos diretores e a maneira como a história se desenrolou, provavelmente ao assistir você imaginou uma versão melhor a esta que coleciona premiações. Ou seja, temos aqui no site um talento perdido que poderia estar conquistando coleções de premiações do oscar e tantas mais. Ou talvez, o mais provável, um crítico meramente baseado na vontade de ‘criticar’, que ao invés de destacar o desempenho incrível dessa história em causar impacto no espectador, simplesmente prefere de maneira até mesmo bossal minimiza-la sem argumentos realmente plausíveis para isto.