Gemini

Há mais de duas décadas em produção, Projeto Gemini já teve Mel Gibson e até mesmo Clint Eastwood como protagonistas. Sempre com a premissa de um assassino profissional sendo perseguido por sua versão mais jovem, o projeto esbarrava sempre no obstáculo representado pela tecnologia necessária para viabilizá-lo.

Agora, finalmente chega às telas e com o bônus de ter sido rodado em 120 quadros por segundo (quando o normal são 24), em 3D e 4K de resolução. Claro que nem todos os cinemas possuem salas capazes de rodar nesse formato (nem mesmo nos Estados Unidos), por isso, no Brasil, algumas salas estão exibindo Projeto Gemini em 60 quadros por segundo, assim como aconteceu com O Hobbit – Uma Jornada Inesperada em 2012.

Escrito por David Benioff (Game of Thrones), Billy Ray (Operação Overlord) e Darren Lemke (Goosebumps: Monstros e Arrepios), o roteiro segue Henry Brogan (Will Smith), um assassino profissional com mais de 70 mortes confirmadas, mas que decide se aposentar após descobrir que seu chefe, Clay Verris (Clive Owen), marcava alvos inocentes. Claro que, com isso, Brogan passa a figurar na lista negra de Verris, que coloca em seu encalço a única pessoa capaz de matá-lo: Ele mesmo (ou melhor, seu clone quase 30 anos mais jovem). A partir daí, Brogan reúne improváveis aliados para tentar entender a situação e escapar com vida.

A premissa não é das mais inspiradas, convenhamos, mas o elemento sci-fi proveniente do subtexto de clonagem conferia certo potencial narrativo. E o script até ameaça iniciar certas discussões a respeito da relação Criador X Criatura, mas o trio de roteiristas apela para clichês na hora de desenvolvê-los, tornando tudo melodramático e artificial. Nem mesmo as motivações do vilão fogem do convencional, com Clay Verris bradando sua vontade em criar um exército de clones. E quando suas intenções estão prestes a ganhar alguma profundidade, com um discurso sobre impedir jovens americanos de irem à Guerra, lá vem a maldita baboseira de aproveitar características sobre-humanas para conceber “uma raça de supersoldados”.

O restante dos coadjuvantes vai pelo mesmo caminho: Danny (Mary Elizabeth Winstead), por exemplo) é a típica oficial durona que seguiu os passos do pai, que por sinal era um verdadeiro exemplo. Como se isso já não fosse genérico o bastante, espere para ver a sequência onde Henry demonstra (ao público) saber da história de Danny, contando características inerentes ao ofício desta. E já que mencionei “características”, devo fazer um alerta aos espectadores sensíveis a estupidez, pois os roteiristas chegam ao fundo do poço quando resolvem colocar Henry Brogan tentando, ao seu clone, provar que o conhece. 

Nem mesmo Will Smith se safa, sendo sabotado por um arco dramático tão superficial quanto previsível. Adotando uma postura despojada como o Henry Brogan “original”, Smith não tem dificuldade em colocar seu carisma a serviço do personagem, saindo-se igualmente bem nas sequências de ação. Em contrapartida, sua versão mais jovem (criada digitalmente) não passa de um jovem chorão e rebelde, abusando dos olhos marejados e do histrionismo. E já que mencionei  a versão jovem de Smith, é preciso reconhecer que a tal “tecnologia de rejuvenescimento”, jamais atinge o efeito esperado de uma produção que demorou décadas para ser viabilizada. E por mais que funcione relativamente bem durante tomadas escuras, o hiper-realismo da fotografia (comentarei mais adiante) escancara todos os traços digitais da tal tecnologia em cenas bem iluminadas, como fica evidente nos últimos momentos do filme.

Se dramaticamente Projeto Gemini tem pouco a oferecer, tecnicamente o filme se sai infinitamente melhor. Méritos, principalmente, para o diretor Ang Lee, que utiliza o 3D com a maestria de quem já se aventurou com a tecnologia em 2012, quando levou o Oscar por As Aventuras de Pi. Sempre apostando na profundidade de campo, Lee é hábil ao construir planos favoráveis ao 3D, sendo beneficiado também pela ótima fotografia de Dion Beebe (O Retorno de Mary Poppins), que aproveita a alta resolução para brindar o espectador com planos abertos de encher os olhos. 

Porém, o ponto alto da produção é, como não poderia deixar de ser, a sequência de ação que começa com um tiroteio, transforma-se numa perseguição de motos (com câmera subjetiva) e culmina numa inusitada luta onde uma motocicleta é utilizada como arma. Pegando emprestado alguns elementos do videogame, como a perspectiva em primeira pessoa, Lee imprime energia e conduz a sequência com toda a intensidade necessária, eclipsando até mesmo o megalomaníaco clímax que, abusando da câmera lenta enquanto detona o cenário, ainda apresenta uma ótima sequência de combate corporal, onde a velocidade e a potência dos golpes são acentuadas pelo ritmo acelerado das imagens

Afinal, a alta taxa de quadros por segundo, além de elevar o grau de definição da imagem, alcança um hiper-realismo que, passado o estranhamento inicial, capta o movimento de forma muito mais fluida do que o normal. Note, por exemplo, que Projeto Gemini não apresenta o habitual “borrão” (ou blurring) durante as lutas ou sequências onde algo se move com rapidez diante da câmera.

Pecando numa conclusão frouxa e que se apressa demais a amarrar suas pontas soltas (vide os diálogos expositivos da cena no bar), Projeto Gemini é o tipo de filme cuja história jamais se sustenta, dependendo dos efeitos visuais para funcionar. E ainda que possua uma ou duas sequências de ação acima da média, é difícil não admitir que se não fosse pela tecnologia empregada e toda sua repercussão na mídia, o projeto jamais mereceria a atenção que está recebendo.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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