Vencedora do Oscar de Melhor Atriz por As Horas, a australiana Nicole Kidman nunca escondeu sua fome por projetos ambiciosos. Foi capaz de estrelar projetos de qualidade duvidosa como os entediantes Austrália e A Bússola de Ouro e quase implodiu a própria carreira com a chacota cinematográfica Batman Eternamente, mas também associou-se a grandes nomes do cinema independente como o controverso cineasta Lars Von Trier e o britânico Stephen Daldry, dos ótimos Dogville e As Horas, respectivamente.
Dito isso, seria leviano dizer que a atriz ressurgiu com a minissérie Big Little Lies, já que os papéis marcados pela entrega absoluta nunca deixaram de ser uma constante, mesmo que os projetos não acompanhassem essa qualidade (vide Obsessão e Reencontrando a Felicidade). Essa entrega absoluta pode ser testemunhada em O Peso do Passado (ou Destroyer, no original), onde Kidman interpreta uma policial veterana marcada por erros e traumas do passado.
Surgindo em cena com uma maquiagem que lhe adiciona algumas décadas de vida, ela é Erin Bell, uma detetive que parece atraída pela autodestruição. Praticamente morando na delegacia e só conseguindo dormir através de desmaios (literais), Bell poderia perfeitamente ser a protagonista de um Noir, mas a direção de Karyn Kusama parece mais interessada em emular o clima da série True Detective, da HBO.
Pesado graças à trilha sempre sombria e melancólica e por uma fotografia que filtra quase todas as cores, O Peso do Passado confunde-se o tempo todo com o seriado de Nic Pizzolato, com Erin fazendo as vezes de Rust Cohle. Entretanto, além da atmosfera densa e desagradável, é mesmo a performance de Kidman que acaba roubando a cena.
Investindo num tom de voz rouco e num jeito de andar trôpego, a atriz australiana traz peso dramático e evoca todo o sentimento de frustração que a personagem nutre. Não por acaso, a câmera está sempre buscando seus olhares expressivos, como se tentasse encontrar algo que refutasse a clara degradação daquele corpo vítima de anos de infiltração numa gangue.
Decepcionando ocasionalmente ao aproximar-se das tramas típicas de um enlatado policial da TV, O Peso do Passado cai não apenas diante das convenções e dos diálogos expositivos (“eu infiltrei vocês e acabou dando merda”), como ainda vê sua montagem acompanhar essa queda, investindo numa estratégia óbvia que apela, até mesmo, para a imagem dos personagens sempre que são citados, apostando numa tola estrutura que tenta ilustrar o pensamento de Erin. Além disso, a relação dela com a filha também não consegue ultrapassar os limites do convencional, falhando na proposta de humanizar a policial ou adicionar uma camada à sua triste vida.
Recuperando o fôlego com a determinação imparável de sua estrela maior, O Peso do Passado nunca deixa de entreter, propiciando um competente thriller policial potencializado por algumas boas reviravoltas e a já citada entrega Nicole Kidman. Se não deve liderar a corrida de Melhor Filme, ao menos coloca Kidman no páreo por sua segunda estatueta.
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