Figura emblemática do cinema brasileiro, Cacá Diegues (hoje Carlos Diegues) é responsável por um número considerável de obras que marcaram o imaginário popular (Xica da Silva, Bye Bye Brasil e Tieta do Agreste são apenas alguns exemplos) além de ter sido um dos fundadores do Cinema Novo. Porém, uma vez estabelecida a importância de Diegues para o cenário cinematográfico nacional, é preciso reconhecer que faz muito tempo que não o vemos comandando uma obra digna de nota. O Grande Circo Místico não muda esse panorama.
Contando uma história que se inicia em 1910 até chegar ao século XXI, o roteiro encontra no circo que dá nome à produção uma âncora narrativa para o desfile de inúmeros personagens e tramas paralelas. Entre os que chegam e os que se vão, porém, Celaví (Jesuíta Barbosa) é o único que permanece, imune aos efeitos do tempo.
Podendo ser interpretado como uma espécie de “alma” do Circo, Celaví é o personagem mais interessante, muito mais pelo carisma de Jesuíta Barbosa do que por qualquer outra coisa. Até porque, o roteiro não demonstra o menor interesse em desenvolvê-lo, o que é uma pena. Aliás, nenhum personagem é evoluído a contento.
Pior do que as figuras opacas que povoam a narrativa são os significados que estas carregam. O machismo sem resistência, resultando em mulheres que surgem apenas como instrumentos sexuais, prontas para o prazer carnal, seja ele consensual ou não. E a nudez despropositada, aliada a planos bizarros que exploram o corpo feminino, pintam um retrato fetichista da obra.
O sexo, diga-se de passagem, é elemento recorrente no desenrolar da história, representando um elo entre os vários saltos temporais que se revela muito mais eficiente do que Celaví, algo que acho difícil crer ter sido planejado pelo roteiro, que parte do nada rumo a lugar nenhum. Não sentimos sequer um envolvimento dos artistas com o picadeiro, e o script falha ao negligenciar a falência do circo como entretenimento.
Em compensação, o design de produção enche os olhos, com uma ambientação fiel à natureza circense, abusando das cores para retratar aquele universo. Até mesmo as sequências mais complexas, como as que envolvem leões ou acrobacias no trapézio, soam convincentes, ainda que sem brilho. Já a fotografia investe numa paleta esverdeada que acompanha toda a narrativa, fazendo uma combinação pontualmente eficiente sempre que Bruna Linzmeyer aparece em cena com seus olhos inebriantes.
Por fim, a experiência de Carlos Diegues pode ser sentida a cada plano, com movimentos de câmera sempre seguros e sem apelar para firulas estéticas. Por isso, é uma pena que sua expertise seja desperdiçada numa história que além de não possuir um norte, promove valores questionáveis.
E acredite se quiser, caro leitor, esse foi o filme escolhido para representar o nosso país na corrida rumo a uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, numa temporada com obras expressivamente superiores, como Benzinho, Yonlu e o excepcional Aos Teus Olhos (vencedor de três prêmios no Festival do Rio 2017).
Para um filme que se propõe a retratar a cultura circense, O Grande Circo Místico não possui o menor resquício dessa magia que por muito tempo cativou plateias de todos os lugares, soando muito mais como um tórrido e convoluto conto machista que a utiliza como fetiche.
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