Quando escrevi sobre Animais Fantásticos e Onde Habitam, há exatos dois anos anos, elogiei a forma como J.K. Rowling expandiu o universo que estabeleceu com a bem sucedida franquia Harry Potter.

Apontei também erros que eram naturais, afinal, era o primeiro roteiro de Rowling, e os acertos da autora britânica sobressaíram muito mais.Animais Fantásticos Além disso, o filme de 2016 introduziu algumas questões pertinentes à nossa atualidade, como o preconceito e o impacto de eventos importantes na vida dos bruxos, mas que foram mencionados apenas superficialmente, sugerindo um aprofundamento maior numa vindoura sequência.

Só que Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald continua a explorar esses temas de longe, sem desenvolvê-los apropriadamente. Aliás, a maior decepção dessa continuação reside justamente na falta de evolução da franquia, já que J.K. Rowling não demonstra muito empenho em responder as perguntas que fez.

Partindo pouco tempo após o final de Onde Habitam, a trama deste novo filme tem início com o perigoso bruxo Grindelwald (Johnny Depp) prestes a ser transferido para outra prisão, o que lhe possibilita uma oportunidade de fuga tão irresistível quanto espetacular, apesar da montagem confusa e da direção imprecisa.  Enquanto isso em Londres, Newt Scamander (Eddie Redmayne) é intimado pessoalmente por Dumbledore (Jude Law) a buscar o problemático Credence Barebone(Ezra Miller), que pode ser a chave para a derrocada de Grindelwald. O problema é que Newt está proibido de viajar e Grindelwald e seus asseclas também resolvem ir atrás de Credence. Com um confronto iminente, o pacífico Newt passa a lidar com o dilema de ter de escolher um lado pelo qual lutar.

Até o tal confronto começar a se desenhar, Os Crimes de Grindelwald desenvolve-se mostrando o que a franquia tem de melhor, ampliando o tempo de tela das carismáticas criaturas que dão nome à série, e criando divertidas soluções que aproveitam todo o potencial daquele universo fantástico. Os efeitos dos feitiços, por exemplo, ora encantam pela suntuosidade (como aquele que Newt utiliza para rastrear alguém), ora resultam momentos divertidos, como o encanto que faz um guarda agir estranhamente. E a trilha sonora de James Newton Howard (veterano na série) se coloca, mais uma vez, como um dos maiores triunfos técnicos do projeto, ao lado dos figurinos da excepcional Coleen Atwood (vencedora do Oscar pelo filme anterior). Aliás, a primeira hora de projeção é justamente a melhor, muito também em função da presença sempre agradável de Dan Fogler como Jacob, cuja química com o Newt de Eddie Redmayne cria uma atmosfera leve e familiar.

E por falar em familiar, o roteiro investe pesado na nostalgia, aplicando um golpe baixo nos potterheads mais antigos ao mostrar Hogwarts em toda a sua magnitude (com direito à trilha original) ou ao esconder alguns easter eggs, como na cena em que a abertura de um armário revela a Pedra Filosofal. Aproveitando essa onda de nostalgia, Dumbledore ressurge mais jovem, numa versão curiosa encarnada por Jude Law (Rei Arthur: A Lenda da Espada), a melhor novidade desta sequência. Law, um ator cujo talento sempre admirei, traz serenidade e elegância ao papel, impressionando até mesmo ao transmitir um ar de sabedoria mesmo sem aparentar tanta idade. E é uma pena que seja tão pouco aproveitado, pois suas cenas elevam o patamar da produção.

O tempo escasso de tela é um dos sintomas do roteiro convoluto de Rowling, que investe em tantos personagens que fica difícil desenvolvê-los a contento. Na verdade, nenhum é devidamente desenvolvido. O Grindelwald de Johnny Depp, por sua vez, é trabalhado como pouco mais do que o arquétipo do vilão revolucionário com discurso sedutor. O visual estilizado do personagem, que ostenta um figurino negro contrastando com o rosto pálido e os cabelos quase descoloridos, jamais alcança o efeito ameaçador almejado pela produção e Johnny Depp, um intérprete acostumado a esse tipo de caracterização, sequer exibe seu carisma habitual, investindo numa composição discretíssima, quase no piloto automático.

Tais decepções só não são maiores que o script concebido por J.K. Rowling, que parece ter esquecido tudo o que demonstrou ter aprendido no filme anterior. A trama principal, por meio de um mero macguffin, é rasa demais para sustentar um longa de mais de duas horas, e que se torna ainda mais inchada com a decisão de Rowling em incluir diversas subtramas entre o segundo e o terceiro atos, impactando gravemente no ritmo e possibilitando justificáveis bocejos. Toda a história que envolve Leta Lestrange (Zöe Kravitz) poderia ser resumida em um simples diálogo, mas o longo flashback que aparece num momento capital mata o dinamismo da produção, que até então estava numa crescente. Essa sequência se fosse cortada não prejudicaria em absolutamente nada, vale ressaltar.

Isso tudo escancara a desonesta estratégia de empurrar conclusões para a inevitável sequência, transformando Os Crimes de Grindelwald numa espécie de trailer (excessivamente) estendido de Animais Fantásticos 3, enchendo linguiça com subtramas desnecessárias e personagens demais. E o clímax soa como um improviso feito às pressas para criar a ilusão de espetáculo, tentando disfarçar a óbvia impressão de que nada foi resolvido e o espectador deverá esperar mais 2 anos para ter a sensação de conclusão que este filme deveria ter proporcionado.

O que é uma pena, já que a primeira hora realmente indicava um capítulo ainda melhor que o anterior, com ótimas sequências de ação e trazendo de volta todos os elementos que justificam a admiração de seus fãs espalhados pelo mundo. A nós cabe apenas a esperança de que J.K. Rowling esqueça a óbvia influência de Star Wars no desenrolar de suas subtramas, e volte seu olhar para o fascinante universo que estabeleceu ao longo dos anos.

Observação: A produção adota um 3D ainda melhor que o filme anterior, criando a sensação de que algo sai da tela através da famosa técnica de aplicar faixas nas extremidades da tela.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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