É motivador ir ao cinema e saber que o protagonismo do filme será feminino. Que teremos, diante das telas, uma personagem feminina da cultura pop atual e uma justiceira que luta contra homens agressivos, que violentam suas companheiras fisicamente e sexualmente.

Esperamos ver toda esta luta, que acho importante num momento de violência extrema contra mulheres e o filme pende para outro enredo (agora ela é uma super hacker, onde isso será explorado ao extremo).

Não li a trilogia Millenium (“Os Homens que não amavam as mulheres”, “A menina que brincava com o fogo” e “A Rainha do Castelo de Ar”) escrita pelo sueco Stieg Larsson, não assisti adaptação do seu livro para produção sueca (estrelado por Noomi Rapace) e apenas prestigiei a adaptação hollywoodiana de 2011 de David Fincher.

Se você viu tudo que podia da trilogia e leu todos os livros, acredito que você pode se decepcionar, mas para o restante dos espectadores que vão atrás de apenas um filme, este será apenas um filme.

Millenium: A Garota na teia de aranha, do diretor uruguaio Fede Alvarez (“O Homem das sombras), passa apenas como mais um filme de suspense policial sem grandes emoções e tensões.

Fui movida a assistir está nova produção por ter visto (“Os Homens que não amavam suas mulheres” – The girl with The dragon) e achar instigante e diferente a atuação de Rooney Mara (“Pan” e “Carol”) vivendo a anti-heroína Lisbeth Salander, dirigida pelo americano Fincher (“Clube da Luta). Outro fator motivador é saber que teremos a atuação de Claire Foy, que após destaque na série “The Crown” é a queridinha do momento em convites para as telas do cinema.

Curiosa em saber como seria contextualizado o enredo, já que o livro é adaptado da obra de David Lagercrantz (“A Garota na teia de aranha” – 2015, “O Homem que buscava sua sombra” – 2017). O autor é sucessor de Larsson (que criou a trilogia) e faleceu em 2004.

Lagercrantz tentou dar seguimento a sua obra, tendo muitas críticas por parte dos leitores pela falta de alma na escrita. Então já temos o primeiro desafio que o filme deve enfrentar com uma obra que já vem cheia de problemas de continuidade.

Outro problema seria a renovação dos atores nos papéis centrais. Difícil não haver comparações de interpretações e preferências nestas. Lembrando que em 2011 os protagonistas são interpretados por Rooney Mara e Daniel Craig (o 007 de Cassino Royale) no papel do jornalista Mikael Blomkvist. O filme teve uma aceitação considerável e indicações no Oscar.

Foy não deixa a desejar como Lisbeth. Ela tem uma excelente fisicalidade, o visual afrontoso e rebelde ajuda muito a não vermos sua Rainha Elizabeth tão marcada em “The Crown”, mas difícil salvar uma excelente atriz num roteiro inexpressivo e pobre. Temos diante da tela uma artista que pode dar mais, mas fica no raso em várias cenas.

O roteiro de 2hs de Jay Badu, Steven Knight e do diretor Alvarez é frágil e monótono.  A justiceira é contratada para recuperar um programa de computador (Firefall). Este programa criado pelo governo dos EUA é altamente perigoso e dá acesso ao usuário a um imenso arsenal bélico. Logo, Lisbeth é contratada por Stephen Merchant, mas a grande rede da teia de aranha cai sobre a anti-heroína.

A partir disso é uma sucessão de lutinhas, muitos tiros, Lisbeth mostrando que é durona fechando um ferimento com grampeador e sendo protetora do filho de Merchant que é morto a tiros na frente do menino autista e dotado de extrema inteligência (por sinal só ele sabe o código para acessar o programa). Ela também flerta quase imperceptível com o jornalista Mikael e tem relações lésbicas e nada profundas em seu apartamento.

A teia que a cerca será repleta de homens durões e feios coordenados pela irmã de Lisbeth, a Rainha da teia, Camilla Salander (Sylvia Hoeks de “Blade Runner 2049″).

Camilla carrega a dor de ter sido abusada sexualmente pelo pai de ambas por 16 anos. Logo, porquê Lisbeth não ajudou a irmã?

No encontro de ambas muitas mágoas do passado serão jogados na teia e cenas de extrema violência. E aí fica aquele clichê de vingança que vai ficando enfadonho.

É um filme que promete tensão? Acredito que sim, mas não cumpre. A impressão que já vi tal situação num outro filme e porque não dizer de David Fincher, mas sendo feito com a fórmula errada. Na disputa Fincher x Alvarez fico com a adaptação do americano.

A direção de Alvarez parece tão automática, usando os mesmos artifícios de filme de suspense, colocando papéis importantes como o jornalista Blomkvist (aqui interpretado por Sverrir Gudnoson) em coadjuvante do coadjuvante e não tendo nenhuma credibilidade no possível romance ou atração dele com Lisbeth que aparecia com forte tensão sexual no filme de 7 anos atrás. Todos personagens coadjuvantes não têm relevância e ficamos no drama pessoal da justiceira.

Ponto positivo para cena vertiginosa que Claire demonstra ótimo trabalho corporal com a proposta da câmera e a tensão que se cria na cena com a roupa a vácuo e as seringas que dão calafrios nos seus efeitos.

Interessante ver também esse lado vulnerável e frágil que não percebemos nas outras adaptações de Salander. Ela parece que aprendeu com o tempo que sentir poderia fazer com que coisas ruins acontecessem e assim ficasse mais vulnerável. Ela viveu de um jeito que a impediu de ser assim e agora ela é jogada no passado mal resolvido. O passado é como um buraco negro que se você cai nele não volta mais.

Então esteja preparado para ver o confronto das irmãs Salander, um filme sem uma nova roupagem, entretenimento para ganhar dinheiro e dar seguimento a um livro que teve êxito.

Será que este filme não nos prende tanto por estarmos vendo o lado mais sentimental e humano da personagem? Aquele ar sujo e rebelde com o Dragão tatuado nas costas aqui fica menor. Fico com a imagem de uma mulher deitada numa banheira que está perdida nos seus sentimentos diferentes da Lisbeth de 2011.

O que será que Lisbeth ainda tem para revelar? Eu com certeza não terei interesse no próximo da safra.

Author

Atriz há 16 anos, apaixonada por cinema. Filha do gerente do ex-cinema Marrocos.

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