Quando escrevi sobre It: A Coisa, a adaptação cinematográfica do romance de Stephen King que estreou há dois anos, mencionei que o palhaço monstruoso vivido por Bill Skarsgaard representava nada mais do que a personificação do medo de cada integrante do carismático grupo autointitulado como “Otários” (ou “Perdedores”, em tradução literal de “Losers”). Fato é, que Pennywise, narrativamente, serve como um gatilho emocional para cada criança, que é obrigada a confrontar seus maiores temores enquanto lida com a inevitável chegada da maturidade. Assim, os desafios do crescimento foram acompanhados do enfrentamento de traumas como um velado cenário de abuso infantil (Beverly), a ausência impotente a respeito da morte do irmão mais velho (Bill) e assim por diante. It: Capítulo 2, na verdade, mantém o simbolismo por trás de Pennywise, porém, serve como um gatilho diferente.

Situado 27 anos após os eventos do filme anterior, este Capítulo 2 acompanha o grupo dos Perdedores cumprindo a promessa de retornar à Derry após Mike, agora policial, identificar traços que indicam o retorno de Pennywise. Justamente por tratar de um avanço temporal tão elevado, o roteiro obviamente apresenta um novo significado atrelado às aparições do palhaço. Pois se It: A Coisa tratava de enfrentar seus medos para abraçar o crescimento, It: Capítulo 2 apresenta uma jornada de resgate da inocência perdida, através de memórias. Memórias que, por sinal, podem ser boas, mas também podem ser ruins. Afinal, nem todas as lembranças que temos de nossa infância são das mais felizes.

Dessa vez como único responsável pelo roteiro, Gary Dauberman desenvolve adequadamente essa proposta inicial, transformando as memórias dos protagonistas numa espécie de fio condutor da trama. E se ele discursa com desenvoltura sobre os efeitos de uma memória ruim no crescimento de um ser humano ou as consequências de tentar esquecê-la, a (excessivamente) longa duração da projeção (2 horas e 49 minutos) acaba sabotando seus esforços, diluindo o impacto de seus argumentos através da repetição.

Aliás, repetição é quase uma palavra de ordem ao analisar It: Capítulo 2, pois mesmo que os fãs da obra de Stephen King (que aqui faz uma divertida participação especial) mencionem o alto volume de páginas como justificativa, é preciso reconhecer que sua transposição para o Cinema é, no mínimo, problemática. Lembremos sempre que literatura e Cinema são artes distintas e devem ser auto-suficientes, funcionando cada uma em seu devido espaço sem dependerem uma da outra. E é aqui que devo apontar que não li o romance original, portanto, não posso julgar a fidelidade do roteiro.

Dito isso, Dauberman simplesmente absorve os acertos do primeiro filme e se limita a replicá-los, transformando o segundo ato numa embaraçosa sucessão de set-pieces semelhantes. Sim, é verdade que seu método funcionou no “Capítulo 1”, mas aqui, a originalidade deixa de existir como um atrativo para o espectador, que já conhece o artifício de ilustrar o terror com estátuas aumentando de tamanho e ganhando vida, criaturas deformadas, casas mal assombradas e etc. 

A repetição leva ao cansaço e enquanto o público ensaia o primeiro bocejo, já antevê o próximo susto. Pois It 2, infelizmente, é muito mais afeito ao horror barato de sustos do que seu antecessor, que prezava pelo desenvolvimento adequado de seus personagens. Aqui, a divisão do núcleo dos perdedores, mesmo que aconteça no livro, gera outro problema, pois Bill, Beverly e companhia revelam-se muito mais interessantes juntos, do que separados. Não que os personagens não sejam bons, e as versões adolescentes provam que são, apenas não há tempo de tela suficiente para que cada um seja trabalhado a contento. O que não deixa de ser um tremendo desperdício de elenco quando se tem em mãos atores do calibre de Jessica Chastain e James McAvoy.

McAvoy, por exemplo, utiliza sua competência habitual para  toda a culpa que atormenta Bill ao longo dos anos, sendo hábil especialmente ao ilustrar a espiral de loucura que toma o personagem e que fica patente na cena envolvendo uma criança próxima a um bueiro. Enquanto isso, Jessica Chastain é encarregada do papel que move a trama. Afinal, é Beverly quem confronta o passado de Pennywise por exemplo, mesmo que assim como Bill, volte a questionamentos supostamente resolvidos no primeiro filme (lembra quando mencionei a palavra “repetitivo”?). 

Bill Hader, por outro lado, vai além da esperada função de alívio cômico, cumprida com louvor, diga-se de passagem, retratando Ritchie como uma figura complexa e amargurada por conta de um segredo antigo (e que jamais é explicitamente esclarecido). E se Jay Ryan (discreto) surge como nome perfeito para viver a versão adulta de Ben dadas as feições parecidas, James Ransone assume com naturalidade os maneirismos executados por Jack Dylan Grazer como a versão jovem de Eddie. Claro que falar de It sem mencionar Pennywise, é praticamente impossível, e Bill Skarsgaard novamente faz um belíssimo trabalho, dessa vez explorando uma improvável vulnerabilidade.

Beneficiando-se de um evidente upgrade no orçamento, que abre possibilidades para o departamento de efeitos visuais, It: Capítulo Dois jamais atinge o alcance de seu antecessor, cuja força residia em seus personagens. Acomodado, o diretor Andy Muschietti opta por uma continuação óbvia, sem novidades e muito mais aberto aos sustos fáceis do que à criação de uma atmosfera de terror, dificultada por sua duração desnecessariamente extensa.

Se, mesmo que superficialmente, é bem sucedido ao passar o seu recado sobre a memória, It 2 sofrerá com a ironia de ser facilmente esquecido.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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