Ok. Parece batido, pois já são tantas produções com esse tema que imaginar esse mundo dominado por máquinas (muitas vezes contra a humanidade) não é lá uma tarefa difícil. Transcendence – A Revolução é mais uma abordagem do tema, beira o mais-do-mesmo, mas ainda assim consegue um fôlego ao investir em perguntas pertinentes ao mundo atual e à relação que temos com a tecnologia, sobretudo a que nos mantém conectados uns aos outros o tempo inteiro. O que é, sim, uma aposta interessante, pois sai da rebelião de máquinas vistas em outras franquias como O Exterminador do Futuro e Matrix, além de outras produções que tentaram imaginar essa relação entre humanidade e inteligência artificial.
Ao apresentar um prólogo apocalíptico onde vemos um mundo com focos isolados de energia e telecomunicação, o estreante diretor Wally Pfister com o também estreante roteirista Jack Paglen tratam de fisgar o espectador afirmando que a tecnologia deixou o mundo pequeno e a posterior falta de tecnologia o deixou ainda menor. Assim, logo nos instantes iniciais somos abordados com essa questão e então somos lançados cinco anos antes para entender como a história chega naquele ponto em tão pouco tempo. A partir daí vemos Will Carter, vivido por Johnny Depp, um importante cientista que sofre um atendado em um simpósio cometido por um grupo de hackers que se denominam Unplug. Com a ajuda de sua esposa Evelyn (Rebecca Hall) e de outro amigo também cientista Max Waters (Paul Bettany), Will, nos seus últimos dias de vida, tem sua consciência transferida para um super computador chamado PINN (fruto de pesquisas de Caster e capaz de ser autoconsciente) e as consequências a partir daí beiram a tragédia, ainda que vejamos nobres intenções em todos os personagens envolvidos.
Um grande mérito do roteiro é tratar seus personagens como figuras com claros propósito de fazer o bem, sem investir no desenvolvimento de um vilão. Dessa forma somos levados a refletir sobre outras questões colocadas de maneira orgânica por Pfister e Paglen, como por exemplo a resposta de Will quando perguntado se queria criar seu próprio Deus ao construir PINN (“Não é o que fazemos o tempo todo?”, responde) e o seu desabafo depois do atentado, quando compara o medo que os ativistas tem de perder a humanidade para a tecnologia aos atos de terrorismo praticados por eles. Esses temas fortalecem a narrativa que quase derrapa na premissa batida de salvar vidas ou até mesmo a saúde do planeta – sim, estão presentes, mas rapidamente são substituídas por temas mais interessantes durante o segundo ato.
Coube a Jess Hall o papel de cuidar da fotografia do primeiro filme de Wally Pfister, que fora o único cinematógrafo de Christopher Nolan de Amnésia até O Cavaleiro das Trevas Ressurge. E se sai razoavelmente bem, embora se perceba muito da influência de Pfister, principalmente no que fizera na trilogia de Batman – e não é difícil achar que estamos em alguma empresa de Bruce Wayne em alguns momentos. Ainda assim é competente ao mostrar um pouco da decadência que a humanidade vai encontrar ao construir os laboratórios improvisados na casa de Will e em uma quadra poliesportiva, ou ainda cenários para a captação de energia solar em larga escala até o uso de nanotecnologia. Por falar em Nolan, ainda vale citar corretas interpretações de dois atores que passaram a orbitar o cineasta nos últimos anos, os excelentes Morgan Freeman e Cillian Murphy como antagonistas do personagem de Johnny Depp.
Inspirado ao criar algumas rimas visuais, como o plano que envolve as cinzas ao vento e novas partículas criadas no terceiro ato, o diretor consegue mostrar bem o que quer dizer com transcendência e, novamente, expõe que o conflito causado entre todos os envolvidos na trama ocorre porque a humanidade não está pronta para aceitar o que não entende – o que serve para muita coisa que discutimos hoje em dia. A preocupação com o aspecto visual do filme também surge no cuidado de transmitir Will em um monitor durante o simpósio antes que ele se transforme definitivamente em dados do PINN, o que é outro ponto para a produção.
Infelizmente, a mudança na conduta de alguns personagens para que seja possível chegar a um desfecho coeso prejudica a narrativa. O filme navega na possibilidade de uma coletividade controlada por uma consciência humana transferida para um complexo computador capaz de reconstruir e curar o mundo. É uma pena que se entregue ao debate sobre o limite do indivíduo, levando todo o projeto a uma explicação simples e piegas sobre a verdadeira motivação do protagonista, mesmo depois de plantar inteligentemente um diálogo sobre a autoconsciência como a chave para que pudéssemos entender se realmente se tratava de Will ou de um computador usando sua memória (note as duas saudações de PINN/Caster ao personagem de Morgan Freeman).
Vale o ingresso e a experiência, principalmente se o espectador se permitir pensar sobre as questões feitas ao longo da narrativa, pois de fato somos voluntários em uma rede de computadores e constantemente somos manipulados em vários níveis, desde como nos comportamos, passando pelo que consumimos até o que acreditamos “ser” o que transcende nossa compreensão humana. E nada, nada disso significa que agimos para o bem da nossa própria humanidade – afinal, muitas vezes seguimos o caminho da nossa própria destruição.
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