A melancolia é a companheira perfeita de um escritor. Às vezes ela chega sem aviso, embasada em alguma memória ou em alguma saudade.
Muitas vezes ela é alimentada por uma perda irreparável, por um sentimento de culpa ou algum lamento qualquer que persiste em ficar torturando o escritor que recorre à arte para canalizar essa força tão essencial para o ofício quanto avassaladora para o autor. E mesmo consciente de que o estado de melancolia os acorrenta em um limbo depressivo, escritores frequentemente buscam a melancolia ainda que precisem induzir tal estado por diversas vias.
O protagonista de Terceira Pessoa é um escritor assim. Liam Neeson vive Michael, vencedor de um Pulitzer que agora se encontra mergulhado nas sombras de um quarto de hotel em Paris enquanto trabalha em outro livro. Acompanhamos seu romance com sua amante Anna (Olivia Wilde), sua relação com sua esposa (Kim Basinger) e outras histórias paralelas intercaladas. A advogada Theresa (Maria Bello) auxilia a jovem Julia (Mila Kunis) a reaver o direito de ver o filho que vive com o pai Rick (James Franco), um artista plástico bem sucedido que vive em Nova York. Scott (Adrien Brody) é um estilista que encontra em Roma uma oportunidade para uma espécie de auto-redenção quando conhece a cigana Monika (Moran Atias), que precisa de dinheiro para o resgate da filha de oito anos. Em comum, podemos dizer todos os personagens estão ligados a uma terceira pessoa que não está necessariamente na linha narrativa principal de cada história, mas que surge aqui e ali movendo suas ações e aumentando a complexidade de cada um.
Sujeito diariamente torturado por sua vida e por sua obra, Michael é construído aos poucos por Haggis com ecos em todas as subtramas. Scott é um ladrão de ideias com um profundo arrependimento, um estilista que copia os grandes profissionais para vender suas peças em mercados baratos. Por sua vez, Michael copia os que as pessoas dizem, cria romances a partir de suas experiências como um ladrão da vida. E carrega um torturante segredo. Também não é diferente de Rick, vaidoso com seu legado e com uma motivação possessiva que certamente estaria nos mais profundos desejos de Michael. Assim, não é exagero afirmar que uma cena fortíssima envolvendo pai e filha não seja o desejo distorcido de um amor paterno, tamanha é a decadência do protagonista em conflito com seu passado.
Com uma estrutura semelhante à usada no excepcional Crash, Paul Haggis amarra as histórias paralelas com grande habilidade e aqui vai além. É dele a direção e o roteiro engenhoso que mergulha o espectador na mente do protagonista e faz com que tudo, absolutamente tudo, tenha sentido. Sua direção segura garante muitos planos detalhe que formam rimas visuais entre as histórias e é comum vê-los aproveitados pela montadora Jo Francis que faz um trabalho extraordinário, especialmente na sequência onde é feita a grande revelação do longa.
Há momentos em que o espectador pode perceber um uso excessivo de esteriótipos, diálogos clichês e uma sensação de que o diretor demora a entrar no filme. Logo fica claro que Paul Haggis usa tudo isso na medida certa, afinal vemos a evolução do protagonista, o desenvolvimento do seu trabalho e, mais do que isso, a origem do estado melancólico de Michael que é o verdadeiro motor do filme. Aqui, é importante ressaltar a trilha sonora meticulosa que evolui com o protagonista, chegando a ser brega em alguns momentos e suficientemente pesada quando precisamos sentir o peso do drama em tela.
A cinematografia é coesa e acentua muito bem as diferentes narrativas. Gianfilippo Corticelli estabelece uma paleta mais quente em Roma onde um romance começa a ser estabelecido que contrasta com o frieza de uma disputa judicial em Nova York, enquanto Paris é retratada com bastante equilíbrio se comparada com as outras histórias, o que é uma decisão muito importante como ficará claro ao longo dos três atos.
A direção de arte é outro ponto forte. Há um cuidado enorme em espalhar elementos que sutilmente relacionam as histórias de uma forma mais íntima do que imaginamos enquanto assistimos ao filme. Algumas são óbvias, como uma anotação em um pequeno papel e outras muito mais elegantes, como o rastro de tinta feito pela mão de uma criança. Outro destaque são as cenas envolvendo flores brancas, cheias de significados também explicados ao longo do filme e que logo representam uma explosão emocional tocante que, dessa vez, tem ecos em todos os personagens.
Assim como em Crash, cada história terá momentos memoráveis, seja pela intensidade da atuação dos seus atores, seja pela composição artística de todos os elementos em cena. O que Paul Haggis faz com as cenas de sexo é de cair o queixo. Mas a porrada mesmo vem quando vemos uma personagem no ápice de seu desespero. E em seguida, o que acontece dentro de um elevador é… digamos… um raro momento em que a melancolia parece nos permitir um abraço, mas em seguida leva pra longe o objeto da saudade mais dolorosa.
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