Com a mesma atmosfera que envolve histórias sobre teorias de conspirações (vejam o excelente O Homem Mais Procurado lançado esse ano), O Mensageiro surge como um bom filme do gênero que equilibra bem a narrativa quando olha para o cenário do narcotráfico nos EUA e quando fecha o foco em seu protagonista, o que nos faz ignorar a problemática maior que envolve milhares de vítimas há décadas para que nos concentremos no drama vivido pelo jornalista Gary Webb.
Dirigido por Michael Cuesta e escrito por Peter Landesman a partir do livro Dark Alliance, obra do jornalista interpretado aqui por Jeremy Renner, o filme conta a história de como Webb começou a seguir as pistas que o levaram a descobrir um enorme esquema de cooperação entre a CIA e narcotraficantes da América Central. Jornalista de uma filial de um jornal de pouca projeção, Webb ganha visibilidade com a matéria e logo se vê inimigo de grande parte da imprensa, o que coloca em risco sua reputação, seu trabalho e a própria segurança.
O diretor segue no piloto automático de filmes do gênero, mas ainda assim compensa algumas derrapadas no roteiro, que tem um primeiro ato muito mais corrido do que o necessário e acaba soando superficial quando amarra algumas relações do protagonista com personagens essenciais para o desenvolvimento da trama. O mesmo vale para a trilha sonora recorrente nos filmes de espionagem, assim como uma fotografia fria para os espaços ocupados pelo governo em contraste com o uso de cores mais quentes à medida que a câmera se distancia do poder e se aproxima da vida pessoal do jornalista, ficando ainda mais quente quando ele faz uma visita fora do país.
A trama que envolve a teoria conspiratória é um mais-do-mesmo. O filme ganha muita força quando aponta para as consequência reais na vida do protagonista, tanto no que se refere a sua estrutura familiar quanto à carreira. Até funciona muito bem quando dedica boa parte do tempo para mostrar a ineficiência dos governos dos EUA no combate às drogas desde Jimmy Carter e, pior, ao mostrar como a presença do racismo enraizado na sociedade faz uso da comunidade negra de algumas cidades para a distribuição de drogas, o que culmina na prisão de muitos negros e no faz-de-conta que há uma política de segurança que prende um ou outro traficante enquanto os verdadeiros contraventores são brancos de terno e gravata trabalhando no governo.
De qualquer forma, o bom mesmo do roteiro de Landesman é quando dispara críticas certeiras contra a estrutura da grande mídia que, no caso de Webb, decide se unir contra o jornalista. O mais interessante são os motivos abordados pelo filme: primeiro, porque os jornalistas de grandes jornais não foram capazes de encontrar a história antes de Webb e, segundo, porque caíram de joelhos para o governo. Não dá pra não pensar no episódio de um helicóptero cheio de cocaína que pousou meses atrás em uma fazenda ligada a um senador, quase ignorado pela mídia brasileira.
Não deixa de ser interessante o momento em que um personagem diz a Webb que sua vida será dissecada para que a história seja desconstruída e que para isso dirão que o jornalista teria seria pedófilo, esquizofrênico, que batia no cachorro ou… homossexual. É ótimo que o roteiro encontre espaço para uma crítica sutil à sociedade que ainda não se livrou completamente dos preconceitos a ponto de desacreditar uma história devido à sexualidade do autor. E quando de fato surge algo comprometedor no passado do protagonista, o roteiro rapidamente mostra as consequências de um fato no ponto mais sensível do núcleo familiar, pois apesar de ser um erro que em nada afeta todas demais as qualidades de Webb, deixa feridas abertas nas pessoas que mais ama com efeitos quase irreversíveis.
Jeremy Renner vive o protagonista com a habitual competência e todo o elenco de apoio consegue trazer o espectador para o drama familiar despertado pela reação do governo contra Webb. Os melhores momentos do filme são aqueles que vemos Renner com Rosemarie DeWitt (que vive a esposa Sue Webb) e com o jovem talentoso Lucas Hedges (no papel do filho mais velho do casal). Momentos que ora surgem como um alívio para tudo o que ocorre na trama central, mas que também são mais pesados (dramaticamente) que o envolvimento do governo com o uso das drogas, afinal são impactos na família que qualquer um de nós podemos sofrer. Mary Elizabeth Winstead é a editora de Webb e ela funciona como o lado mais humano de toda a estrutura da mídia que o filme constrói, fazendo um contraponto interessante com o personagem de Oliver Platt, bastante inseguro em como reagir ao ver o pequeno jornal que dirige em rede nacional. Andy Garcia (seu figurino – e o que representa – está genial), Tim Blake Nelson, Barry Pepper, Michael Sheen e Ray Liotta interpretam importantes papeis na narrativa e mesmo com pouco tempo de tela conferem peso aos personagens.
Inteligente ao usar diálogos que falam das drogas e que seriam perfeitamente utilizados para falar sobre o poder político que mistura narcotráfico e a velha conhecida política externa estadunidense, o filme escancara um mundo sem escrúpulos onde qualquer sujeito pode ser atraído, viciado e devorado – tanto pelas drogas quanto pelo poder. O jornalista Gary Webb viveu isso até o extremo. Sem medir consequências, levou seu trabalho além dos limites que qualquer outra pessoa teria levado. Sem nunca colocar à frente a própria segurança (ou mesmo da família), Webb viu tudo desmoronar. E mesmo quando sua investigação foi admitida pela CIA, a grande mídia ignorou o caso para mostrar o escândalo de entre o então presidente Clinton e sua amante Monica Lewinsky.
A importância desse filme? Conclua: anos depois dos acontecimentos do filme, na vida real, Webb se suicidou com dois tiros na cabeça. Sim, dois tiros.
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