Mike Flanagan é um jovem cineasta com uma longa lista de créditos de montagem e quem devemos acompanhar de perto depois deste ótimo terror O Espelho, escrito, dirigido e montado por ele. Não por acaso enfatizo seu trabalho de montagem: é o ponto mais forte do filme e que garante o sucesso da projeção, que chega a derrapar no roteiro no começo do segundo ato, mas que encontra um ritmo excelente até o desfecho, cumprindo com cada uma das propostas plantadas já nos primeiros segundos do longa.
O filme conta a história de dois irmãos Kaylie e Tim Russell, vividos por Karen Gillan e Brenton Thwaites respectivamente, que voltam à casa onde presenciaram uma tragédia familiar que os separou por onze anos. O motivo de retornarem é para colocar em prática o plano de Kaylie: provar com o uso de tecnologia moderna que um espelho muito antigo tem forças sobrenaturais (motivo de dezenas de mortes ao longo de séculos) e destruí-lo.
Ainda que parta de uma premissa batida, Flanagan acerta logo no início ao revelar os elementos sobrenaturais para que não sejam nenhuma surpresa ao longo do filme e a condição do reencontro dos dois irmãos para justificar a constante inserção de flashbacks. Assim, passamos a acompanhar o que e como a tragédia tomou as proporções que tomou a partir do ponto de vista dos dois ainda crianças, interpretados por Annalise Basso e Garrett Ryan – que se saem muito melhor do que os atores adultos.
Mesmo que a estrutura de flashbacks possa sugerir grandes problemase, o diretor registra os planos consciente do resultado que quer na montagem do filme e que favorecem a transição entre presente e passado com interessantes raccords visuais que atenuam a narrativa.
Não só isso. À medida que aumenta o terror psicológico vivido pelos dois personagens principais (nas duas linhas narrativas), Mike Flanagan suaviza cada transição a ponto de utilizar o mesmo movimento de câmera no passado e no presente com os atores jovens e adultos juntos na mise-en-scène, como se estivessem juntos na mesma linha temporal, interagindo com objetos do cenário que não deveriam estar mais ali ou tendo reações no passado com coisas que acontecem onze anos depois – o que nos faz pensar que tudo acontece ao mesmo tempo e cria a tensão para dois desfechos quase simultâneos, já que em nenhum momento sabemos o que de fato aconteceu com seus pais.
Todo o design de produção é muito bom ao colocar elementos que sutilmente remetem ao espelho ainda no primeiro ato e ao mostrar elementos que remetem a fantasmas (tem uma ótima sequência envolvendo lençóis). O uso da tecnologia, como câmeras, luzes com bateria e smartphones é eficiente e fundamental para mover a história no terceiro ato, pois nenhum objeto colocado em cena é descartado e todos cumprem uma função perfeitamente orgânica para a narrativa. Além disso, quem estiver atento a todos esses elementos, conseguirá entender em três ou quatro momentos a sugestão do diretor de como a força do espelho poderia ser derrotada – e como aqui não é lugar de spoiler, vá ver o filme e não deixe “escapar” nada! (já dei a dica)
Como todo terror, há momentos de sustos gratuitos, daqueles forçados por aparições súbitas ou sons altos. Mas até nisso podemos ver o cuidado do diretor, uma vez que utiliza esses recursos em momentos pouco tensos com o claro objetivo de brincar com o gênero. Dessa forma, as entidades sobrenaturais relacionadas ao espelho surgem depois de entendermos muito mais sobre o passado do artefato e não assustam, mas sim aterrorizam.
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