Quantas vezes saímos do cinema com sensações agradáveis e com aquela esperança de que tudo na nossa vida vai acabar bem? Não importa o gênero, algumas produções conseguem enviar uma mensagem positiva à maioria do público sem forçar a barra e é essa a linha de Mesmo Se Nada Der Certo, uma deliciosa história que carrega um pouco de comédia romântica e um pouco de musical em perfeita harmonia.

Dan (Mark Ruffalo) é um produtor musical que se entregou ao alcoolismo após sua decadência profissional e problemas conjugais que o afastaram de sua esposa e filha. Em mais uma noite de bebedeiras, ele vê a performance de voz e violão da jovem Greta (Keira Knightley) em um bar e nela encontra mais uma chance de lançar um artista no industrializado mercado musical. E partir desse encontro acompanhamos como os dois encontram motivos para sair do fundo do poço, já que Greta também estava no pior momento da vida quando conhece Dan. O filme é escrito e dirigido por John Carney (de Apenas Uma Vez) e também traz um elenco muito competente com Mos Def no papel de Saul, ex-sócio de Dan, Haille Steinfeld (indicada ao Oscar por Bravura Indômita) como Violet, filha de Dan e Adam Levine (vocalista do Maroon 5) como Dave, também músico e namorado de Greta e que não consegue conciliar sua carreira meteórica com o relacionamento amoroso.

É um filme com muitos méritos. O primeiro deles é a maneira que o diretor constrói cada um desses personagens que não julgam ou são julgados e são tratados com muita humanidade. Ainda que Saul tenha que tomar decisões difíceis na produtora, em nenhum momento o vemos como um empresário mesquinho, apenas um sujeito com um legado tentando reposicionar a empresa no mercado. Da mesma forma, Dave é retratado como qualquer pessoa exposta subitamente ao estrelato e o cuidado de mostrar suas fraquezas em dois momentos da narrativa o deixa muito próximo de todos os demais (repare como a barba e o bigode ajudam a construir toda a vulnerabilidade do cantor). Os erros e os acertos do passado dos personagens também são colocados de forma a mover a narrativa com pequenos arcos que se resolvem de forma orgânica. Assim, reconhecimentos, gratidão e perdão estão presentes na concepção de todos os personagens, o que torna a história muito leve e agradável.

E já que é um filme sobre músicos, o desenho de som está impecável e chega a contribuir demais na evolução de Dan e Greta. Dois momentos são memoráveis nesse aspecto. Há um plano subjetivo em que o talento musical de Dan é revelado a partir da composição de uma canção e a entrada de arranjos de vários instrumentos em um palco onde há apenas uma pessoa tocando. Outro momento é quando vemos Greta em dúvida sobre uma importante decisão e então um dos arranjos da música tema compõe a trilha sonora, o que sugere como e qual decisão começa a crescer na personagem.

Como a música está nas veias desse longa metragem, algumas composições inteiras são usadas como mensagens entre os personagens de forma inteligente e sutil, sem que o filme seja entregue à estrutura de um musical. Esse recurso garante momentos intensos com especiais interpretações dos atores que empregam linguagem corporal para que possamos compreender suas reações às músicas sem precisar de qualquer diálogo.

O filme é também competente no aspecto visual. A construção dos cenários, desde o apartamento de Dan em contraste com a casa de sua ex-esposa para retratar tudo o que o produtor perdeu na vida até o apartamento de um amigo de Greta com um amontoado de instrumentos enclausurados e em silêncio, prontos para serem livres em uma metrópole durante quase todo segundo ato, com a mensagem que a arte liberta e inspira. O diretor ainda toma o cuidado de posicionar a câmera em Greta com luzes coloridas atrás para que a vejamos como uma estrela da música, ainda que seja apenas mais uma artista que sequer teve a oportunidade de mostrar seu talento.

Outros elementos muito bem utilizados pelo criativo roteiro de Carney são celulares, computadores, fones de ouvido, estúdios externos e mídias digitais. Além de serem parte do cotidiano dos personagens, ele usa esses e outros itens em prol da linguagem cinematográfica. Como exemplo, note o momento em que o diretor/roteirista usa um vídeo de computador para marcar longo salto no tempo. Mais tarde, Carney utilizará um divisor de sinal para fone de ouvidos para mostrar a profunda conexão de Dan e Greta ao escutarem as mesmas músicas para depois mostrar uma cena semelhante em que apenas outro personagem ouve uma canção sozinho, o que simboliza distanciamento emocional de quem está ao seu lado.

John Carney sabe encerrar a história com a mesma segurança que conduziu a narrativa, com total respeito a todos os personagens que criou, formando uma belíssima rima visual com o começo e, o que é mais espetacular, mais uma vez usando uma música para mostrar como as decisões dos personagens no passado, ainda que perdoadas por aqueles que foram prejudicados, terão reflexo pra sempre, além de deixar claro como é irresistível a paixão pela fama.

Com tantos acertos e momentos agradáveis, Mesmo Se Nada Der Certo é um tributo a todos os artistas. Não deixa ninguém pra trás: em perfeita harmonia, vemos o aprendiz, o multi instrumentista, o compositor, o produtor, o músico de rua, o músico de estúdio, o músico de aulas de ballet, o estudante de música, o astro, o que se deu muito bem e o que se deu muito mal. E sem exceção, vemos todos de forma tridimensional, humana e sem caricaturas.

Author

Escritor e Crítico Cinematográfico, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos.