jurassic world cartazO grande sucesso da trilogia Jurassic Park tem um nome: Michael Crichton. Ótimo contador de histórias, reuniu diversos arquétipos de ficção científica para colocar dinossauros e humanos em uma história engenhosa e com aventuras alucinantes. Jurassic Park e o Mundo Perdido são seus únicos livros desse universo, adaptados ao cinema por Spielberg, e ainda foi um dos roteiristas do terceiro filme.

Com isso, as aventuras de Alan Grant e Ian Malcolm eram coesas, faziam sentido dentro daquele universo caótico concebido por Crichton, onde a ciência passava alguns limites e colocava no mesmo tempo criaturas separadas por milhões de anos.

Crichton morreu em 2008. Não que seria insubstituível na franquia, mas o fato é nessa retomada com Jurassic World falta história, falta desenvolvimento de personagens e faltam novas ideias para compor o roteiro. Falta, sem dúvida, Michael Crichton.

O parque é reaberto por um indiano milionário megalomaníaco que pretende ensinar à humanidade o quanto somos pequenos (pois é… e sem grandes explicações mesmo depois que tudo deu errado no parque de John Hammond). Milhares de turistas visitam a ilha agora repleta de atrações e interações com dinossauros herbívoros, Sea Jurassic World e… Starbucks. Uma festa até tudo dar errado, ou o filme não daria certo. Paralelamente, uma subtrama envolve uma operação militar que pretende usar os temidos raptores (… domesticados) como arma secreta… em… guerras… dos EUA. Essa última ideia parecia ter sido abolida anos atrás durante a Guerra do Iraque, mas não. Resgataram e deram um jeito de emendar isso no roteiro já remendado por quatro roteiristas que parecem não concordar com nada do que escrevem.

É o grande problema do filme. Os roteiristas não desenvolvem personagens, apenas fazem uso de diálogos expositivos por mera conveniência para justificar uma ação imediata e necessária para resolver problemas criados por suas deficiências narrativas. Por exemplo, quando precisam tirar duas crianças de um local afastado e cheio de carros velhos ainda do tempo de Hammond, simplesmente conversam sobre como “consertaram o carro do vovô” e logo estão aptos a consertar um jipe que os tirará de lá. Algo natural para um garoto de 15 e outro de 9 anos.

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Em termos narrativos, os quatro roteiristas não criam nada novo. Fazem um bom primeiro ato e perdem completamente a mão no segundo e precisam de vários Deux-Ex-Machina para resolver os conflitos. Do segundo ato em diante, recolhem tudo o que funcionou nos três filmes anteriores e remendam aqui e ali para enfiar goela abaixo as cenas de ação (que aí sim funcionam bem).

Logo, temos duas crianças perdidas na selva, sendo uma delas, a mais jovem, sabe-tudo-de-dinossauros (pois claro, alguém precisa dizer “É um anquilossauro!”; temos o especialista em dinossauros; temos o alívio cômico que fica sentado em uma sala de controle; temos a equipe de super-caçadores-armados-até-os-dentes; temos as frenéticas perseguições de raptores; temos a fungada do terópode farejando perto de um veículo; temos uma evolução genética que sai do controle…

E não são referências aos filmes anteriores. São muletas. Muletas que não resolvem a falta de noção de espaço e tempo, já que uma distância percorrida de helicóptero parece levar mais tempo do que com veículos mais lentos, assim vemos personagens chegar em locações aparentemente remotas sem o devido cuidado com a cronologia dos acontecimentos.

Referências aos filmes anteriores são feitas pela direção de arte, onde aí sim vemos um trabalho excepcional. O design de produção de Ed Verreaux é um dos pontos fortes do filme, já que vemos a criação de um verdadeiro parque temático com atrações empolgantes, como alimentar filhotes de herbívoros ou montar o dorso de pequenos tricerátopos. Toda criação do parque resgata os dinossauros presentes nos primeiros filmes através de hologramas animados em vez enormes esqueletos imóveis (e assim fica livre apresentar outros animais vivos no parque). Além disso, o paraquedas usado no terceiro filme na sequência do aviário e o bonequinho do DNA também são vistos rapidamente. Ótimas referências que funcionam dentro da história sem forçar a barra.

Graças à direção de Colin Trevorrow (que também é um dos roteiristas) o filme não é um desastre. Ele cria ótimas sequências de ação e acerta ao incluir inúmeros planos do ponto de vista dos dinossauros, o que é muito legal mesmo. Ele peca na direção dos atores, mas realmente acho que não havia muito o que fazer, já que o roteiro reduziu os personagens a caricaturas nada interessantes. Como se não bastasse deixar de construí-los, ainda há a desconstrução do Dr Wu, o que aponta para uma possível uma tragédia se a série seguir com isso adiante.

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Chris Pratt faz as vezes de Alan Grant como o adestrador de raptores Owen, o que é, até certo ponto, uma evolução das teorias e pesquisas do paleontólogo no primeiro e no terceiro filme. Seu personagem é mais uma vítima do roteiro, que acaba lhe dando contornos de macho alpha entre dinossauros e humanos. A dinâmica entre Owen e Claire (Bryce Dallas Howard) acaba em um arco dramático previsível e anticlímax, afinal, os perigos que vão enfrentar são enfraquecidos pela sequência óbvia de mortes de personagens secundários que todo roteiro preguiçoso tem.

Os sobrinhos de Claire (Ty Simpkins e Nick Robinson) basicamente cumprem a mesma função das duas crianças no primeiro filme e nem mesmo a subtrama descartável envolvendo seus pais é suficiente para causar qualquer empatia do espectador, afinal, por que se preocupar com aqueles dois que não se machucam nunca em vez de se preocupar com dezenas de pessoas sendo capturadas por pterossauros? Mas o grande desperdício no elenco é Vincent D’Onofrio, que passa muito longe do seu talento visto nos últimos trabalhos do ator, como em O Juiz e Demolidor.

Apesar de falho em sua estrutura, Jurassic World não decepciona no áudio-visual e isso deve agradar os fãs e aqueles que procuram muita ação com dinossauros. Revisitar o parque totalmente reformulado ao som do tema original de John Williams é empolgante demais. Quem assina a trilha é o premiado Michael Giacchino, que faz inúmeras referências musicais à trilha original, especialmente nas sequências frenéticas marcadas por tambores e instrumentos de sopro características de Williams. É uma pena que as boas histórias da ilha tenham morrido com Crichton.

Author

Escritor e Crítico Cinematográfico, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos.

2 Comments

  1. Tullio Dias

    Legal realmente ver esse diálogo não planejado entre o que eu escrevi e a sua crítica, véi. Hahaha, se a gente tivesse combinado não teria ficado tão massa. Discordamos de muitas coisas, concordamos em outras tantas, mas o que mais me chamou a atenção foi a sua observação sobre o para-quedas do terceiro filme. Ele tá lá mesmo???? oO

    E sensacional a parte de usar “muletas” para explicar as referências. Concordo demais! Mandou bem! Ah, e sim, os moleques geniais dão no saco… hahahaha, mas whatever… com dinossauros devorando geral, acho que o resto é resto. Não tinha muito o que esperar. Pelo menos diverte, mesmo com seus defeitos, todos apontados no seu texto. :/

    🙂

  2. Sem nenhuma dúvida. É um filme que diverte demais. Dinossauros contra dinossauros é animal. O áudio visual é muito bom. Nostalgia pura. História mesmo fica só no primeiro e no segundo. Valeu, Tullio!