Um dos mais prestigiados nomes da literatura mundial em toda a História, o autor norte-americano Stephen King, é um verdadeiro mestre na arte de usar o terror como ferramenta para discussões mais profundas.
Em Carrie: A Estranha, por exemplo, o horror é apenas um subterfúgio para ilustrar a descoberta da própria sexualidade da protagonista. Já em O Nevoeiro, acompanhamos um pertinente debate acerca da natureza do próprio ser humano, já que as criaturas que se escondem na enigmática névoa, não são muito mais assustadoras que os próprios seres humanos, que delas se protegem. E quando bem adaptadas, essas tramas costumam gerar ótimos filmes, como é o caso dos filmes supracitados, mas também Conta Comigo, À Espera de Um Milagre, Um Sonho de Liberdade, entre outros.
Levado ao Cinema pela primeira vez (já havia chegado à TV em 1990, como uma minissérie em duas partes), It – A Coisa vai pelo mesmo caminho, fazendo uma bem-sucedida transição das (mais de 1000) páginas para as telonas.
Escrito pelo novato Chase Palmer em parceria com Cary Fukunaga (da série True Detective) e revisado posteriormente pelo experiente Gary Dauberman (Annabelle 1 e 2), o roteiro apresenta a pacata Derry, uma típica cidade pequena americana que tem sido assolada por misteriosos desaparecimentos.
Intrigadas, sete crianças parecem ser as únicas afetadas, já que os adultos não demonstram o menor interesse em investigar, mas ainda que tome a iniciativa, o jovem grupo primeiro tem de lidar com questões mais particulares, como bullying, amor não correspondido e a famigerada adolescência, que bate à porta. Para piorar, um sinistro palhaço (Bill Skarsgård, em performance marcante) surge para assombrar os pequenos habitantes de Derry.
Merecendo elogios pela homogeneidade de seu elenco, It se destaca, logo de início, pela força de seus jovens protagonistas, que demonstram uma naturalidade invejável. E mesmo que sejam desenvolvidos às pressas, sem muito refino (afinal, são SETE), ao menos os roteiristas têm a inteligência de atribuir uma personalidade/característica forte a cada um, delegando o resto a seu próprio intérprete.
O carismático Finn Wolfhard (da série Stranger Things), por exemplo, é hábil ao não permitir que seu Richie limite-se ao papel de alívio cômico e, mesmo que arranque boas risadas com suas tiradas, assume traços de inocência e lealdade, enriquecendo sua composição, ao passo que Jaeden Lieberher exibe segurança ao transformar Bill num líder nato, graças à sua determinação, firmeza e generosidade, merecendo elogios por retratar a gagueira de uma forma que passa longe da caricatura. Porém, embora o restante do elenco também faça bonito, o destaque da produção acaba sendo mesmo de Bill Skarsgård (do ótimo Atômica) que transforma Pennywise num símbolo tão assustadoramente real que, mesmo fora de cena, o espectador acaba sentindo sua presença, tamanho o impacto de sua performance.
E já que falei em símbolo, It é mais uma produção a traduzir bem os simbolismos criados por Stephen King. Afinal de contas, Pennywise, nada mais é, do que a manifestação dos maiores medos de quem o vê (as crianças). Sendo assim, não é difícil perceber a intenção de King em transformá-lo numa espécie de gatilho de reações, aparecendo para que cada criança possa lutar contra seus próprios medos, numa metáfora que fica escancarada na cena em que Beverly ganha um verdadeiro banho de sangue em seu banheiro, numa clara alusão à sua maturidade ou descoberta da sexualidade, traçando um paralelo temático com Carrie e também servindo como “homenagem”.
E se dramaticamente o filme se sai bem, no que tange ao terror, os fãs não devem se decepcionar já que o diretor Andrés Muschietti (Mama) constrói sequências que vão além dos tradicionais jump scares, investindo no choque proveniente de cenas gráficas, mas sem esquecer de construir uma atmosfera apropriada, dividindo os méritos, nesse caso, com o diretor de fotografia Chung-hoon Chung (colaborador do cineasta Chan-Wook Park), que alterna tons sombrios e tristes com uma paleta de cores quentes que acompanha os jovens, fazendo uma distinção quase simétrica entre o mundo aterrorizante de Pennywise e o das crianças.
Já a trilha sonora de Benjamin Wallfisch (A Cura) segue a cartilha do terror tradicional e não foge do trivial, obtendo êxito diametralmente oposto ao da direção artística do projeto que alcança bons resultados através dos figurinos precisos (repare como Pennywise soa ameaçador mesmo estando de branco) e da cenografia corretamente sóbria (note que a produção não apela para a estilização absoluta), investindo pontualmente em elementos mais eloquentes como o casarão que é palco do clímax.
Deixando algumas pontas soltas ao longo da projeção, como a questão envolvendo “flutuação”, It também demonstra certo descontrole quanto à Coisa, oferecendo alguns elementos que podem dispersar seu significado.
Mas nada que comprometa a experiência do espectador, que deverá facilmente se identificar com ao menos um dos dilemas apresentados.
E isso, aliado à empatia gerada pelos divertidos integrantes do Clube dos Perdedores, por si só já valem o investimento emocional.
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