Unbowed, Unbent, Unbroken 4

O sexto episódio cujo título traz as palavras da Casa Martell sem lá muita razão teve mesma dupla de diretor e roteirista do quinto. Assim era de se esperar que o episódio tivesse no mínimo a mesma qualidade do anterior. Foi quase lá, não fosse justamente essa subtrama envolvendo as Serpentes de Areia e a tentativa de Jaime de resgatar Myrcella, que está muito longe de ser uma prisioneira. Mas já volto nesse ponto.

Vamos aos pontos positivos. Mais um belo roteiro de Bryan Cogman. O roteirista usou um jogo da verdade como tema recorrente e simplesmente transformou nisso a maioria dos diálogos nos núcleos que desenvolveu. Começando pela Casa do Preto e Branco, onde havia um desafio à Arya para que ficasse convincente ao mentir, passando por Jorah e Tyrion, Cersei e Petyr (e depois Olenna), culminando na inquisição de Loras e Margaery.

E note como há o cuidado de Cogman de intercalar verdades e mentiras durante o treinamento de Arya para depois assumir apenas verdades que parecem mentiras entre os interlocutores (utilizando-se de uma narrativa aberta, onde o espectador sabe mais do que os personagens, portanto pode constatar que são verdades e ver a reação de todos). Então chegamos ao momento onde apenas mentiras são ditas por Loras e pela rainha em um julgamento moral que é uma farsa por completo. Isso que é roteiro fluído!

Unbowed, Unbent, Unbroken 2

Com mais importantes referências a outros núcleos, Cogman inclui o momento em que Jorah descobre a morte do pai nas mãos de insurgentes da Muralha, o que somado às decisões controversas de Jon Snow no episódio anterior, sugere desde já o clímax no núcleo do jovem comandante. Além disso, aliado à montagem e a bons planos do diretor Jeremy Podeswa, alternamos de um núcleo ao outro com rimas interessantes, como no banho de Sansa que remete diretamente à limpeza de corpos feitos por Arya e a duas transições a partir do diálogo: quando Cersei e Petyr discutem o destino de Sansa há um corte pra Myrcella e depois quando vemos o resultado das manipulações de Cersei há um corte pra Sansa, como se houvesse um ciclo de jovem princesa para casamento forçado e então para uma vilã manipuladora.

Vejamos: Myrcella, assim como a mãe, deve ser separada de quem é apaixonada (a hesitação de Jaime quando vê a filha sabendo que fará com ela o que fizeram com a mãe é genial nesse momento); Sansa se casa pela segunda vez à força e é estuprada pelo “marido”, assim como aconteceu com Cersei e Robert. Vemos em Myrcella e Sansa o passado de Cersei, vemos em Cersei o futuro de Sansa – e possivelmente o de Myrcella. Ainda é possível continuar odiando Cersei com tudo o que ela sofreu?

Cogman aproveita um episódio que inicia como um dos mais sombrios da série para jogar na tela mais temas polêmicos. Em um mesmo episódio vemos a continuação da perseguição homofóbica e um estupro. O curioso é que nem um tema nem outro são essenciais. Aqui, a homofobia contra Loras é apresentada como um artifício político, enquanto o estupro de Sansa ocorre depois do seu casamento. Isso serve como piscadela para todos os hipócritas que certamente não verão mal nenhum nessas ações manobradas com habilidade por Cogman, afinal, à luz de homofóbicos e sexistas, Loras era gay e Sansa estava casada (leia-se propriedade de Ramsay).

Mas o roteirista não fez nada disso a esmo: primeiro mostrou Arya limpar gentilmente vários defuntos e depois ser o caminho seguro para uma morte tranquila de uma menina enferma como etapa de um treinamento, o que faz com que seu núcleo ganhe contornos jamais vistos em nenhum personagem, mesmo aqueles mais violentos (um design de produção maravilhoso ao mostrar as faces espalhadas na Casa do Preto e Branco). Três cenas que fazem o episódio ser um dos mais sombrios da série.

Unbowed, Unbent, Unbroken 1

Com isso, é uma pena que Dorne continue mal desenvolvida. Entre tantos acontecimentos dramaticamente densos, o que acontece em Dorne surge quase como um alívio cômico. A maior decepção da série até aqui são as Serpentes de Areia. Juntando as três, não temos sequer a sombra de Oberyn Martell, tanto no que diz respeito à profundidade das personagens quanto na atuação das atrizes quando comparamos o extraordinário trabalho de Pedro Pascal. A série plantou muito bem a presença das Serpentes de Areia, mas agora que deveríamos vê-las em ação, vimos uma sequência de luta que mais parecia um jogo de cartas, tipo “agora é sua vez”, “pronto, agora é você”. Luta de Power Rangers.

Não só isso: já há meses que Oberyn foi morto e não sabemos nada dessas três meninas. São motivadas apenas por vingança? Sério? Passam o dia planejando como vão vingar o pai e na chance que têm falham miseravelmente daquele jeito? São figuras decepcionantes. E pensar que o quarto livro de GRRM passa boa parte das páginas construindo personagens letais. Agora que foram presas, só consigo imaginá-las na varanda gourmet de suas celas a bater panelas e a gritar Fora Tommen. Afinal, tudo me indica que são o tipo que passa o dia todo reclamando e acumulando ódio. Pelo menos o núcleo chegou a algum lugar e devemos ver uma dinâmica entre Jaime e Doran que pode render boas novidades até a quem leu os livros.

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Author

Escritor e Crítico Cinematográfico, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos.

2 Comments

  1. Cersei nunca foi inoscente como Sansa ou Cersei, a série sempre retrata ela como uma peste querendo matar o irmão desde bebe. A ideia de que “sofri, por isso tenho direito de fazer todo mal do mundo, especialmente se tiver uma vagina” é uma pensamento tão equivocado que não merece nem uma contra-argumentação.

  2. Renan, primeiro que eu não justifiquei a violência de Cersei. Se você entendeu isso no texto, lamento. Sou responsável pelo que escrevo, não pelo que você entende. Segundo que seu comentário sobre “contra argumentação” diz mais sobre você do que sobre meu “pensamento equivocado”. Em nenhum momento estou dizendo que concordo ou discordo da visão dos personagens, afinal nem mesmo o autor necessariamente concorda com as atitudes das figuras que cria. Aponto apenas a função dramática, isso é uma crítica de uma obra de FICÇÃO, não um debate sobre conceitos morais. Se isso não está claro pra você, lamento novamente.

    Obrigado pela participação.