Mesmo com o fim dos créditos, confesso que permaneci com a mesma dúvida que tive ao entrar na sala de projeção: Como Covil de Ladrões conseguiu chegar aos cinemas? Contando com todos os elementos de um clássico lançamento direto em Streaming, incluindo a ilustre presença de Curtis “50 Cent” Jackson, astro de dezenas desses lançamentos, a produção em nenhum momento justifica a exibição na telona.
Não bastassem a trama rocambolesca, a direção rústica e a falta de estrelas, a produção ainda abusa da duração, exibindo inchadíssimas duas horas e vinte minutos de uma história com personagens opacos vivendo situações pra lá de batidas. Uma pena, poderia ser um tremendo sucesso no mercado digital…
Estreando na direção, Christian Gudegast (Invasão a Londres), que também assina o roteiro, não demonstra muita habilidade: além de posicionar a câmera em ângulos pouco funcionais (atrás de um personagem amarrado, num interrogatório, por exemplo), Gudegast não consegue fugir do lugar-comum, limitando-se a repetir convenções (câmera na mão durante perseguições, plano aéreo em transições) para contar uma história que também se revela burocrática, num equívoco imperdoável para um roteirista experiente.
Aqui, Gerard Butler (300, Deuses do Egito) vive Nick, um policial com métodos pouco convencionais que se vê diante da possibilidade de desbaratar uma quadrilha de ladrões de bancos. Do outro lado, os criminosos seguem seus planos rumo a mais um assalto, até um dos integrantes do bando ser interrogado por Nick. A partir daí, um jogo de gato e rato toma forma, colocando policiais e bandidos em rota de colisão.
Tratando-se de um filme de gênero (e de ação), não haveria o menor problema em partir para o tiroteio logo de início, o que acontece de qualquer forma. O problema aparece quando o diretor/roteirista enxerga a necessidade de mostrar cada detalhe dos meandros que envolvem cada lado. Sem o menor poder de síntese, Christian Gudegast mergulha a narrativa numa atmosfera de investigação onde nada parece chegar a lugar algum, com uma atenção exagerada a detalhes irrelevantes.
Parte desse problema reside, também, na estrutura concebida por Gudegast, que transforma o imenso gap que corresponde o segundo ato num cenário onde os personagens deveriam ser desenvolvidos. “Deveriam”, pois colocar Nick sendo deixado pela esposa não chega a ser exatamente o desenvolvimento o que era necessário. Pior acontece com o Levoux de 50 Cent, que é submetido a uma sequência absolutamente descartável envolvendo o encontro amoroso de sua filha. Enquanto isso, personagens secundários são relegados a meras peças do roteiro, como o Merriman, de Pablo Schreiber (13 Horas – Os Soldados Secretos de Benghazi), que cumpre apenas a função de enfrentar Nick, ao passo que Donnie (O’Shea Jackson Jr., de Straight Outta Compton – A História do N.W.A.) resume-se ao estereótipo do jovem passivo e que se encontra à mercê de seus comparsas.
Claro que não poderia deixar de comentar sobre o trabalho de Gerard Butler, a principal estrela do projeto: vendo sua carreira entrar em queda livre após uma série de produções mal escolhidas, o ator escocês parece ter dado seu primeiro passo rumo ao mais novo porto seguro das estrelas decadentes, os filmes on demand. O curioso é que, diante de um elenco de canastrões, Butler acaba sobressaindo, corroborando a máxima ‘Em terra de cego, quem tem um olho é rei’, eclipsando com facilidade seus colegas menos talentosos com sua presença imponente.
Concebendo pérolas como ‘quem tem muito a esconder, sempre tem nada a falar’, Gudegast, como roteirista, chega a flertar perigosamente com a galhofa ao colocar um personagem questionando a natureza das informações de outro, apenas para ouvir um “convincente” ‘não se preocupe com isso, confie em mim’, numa forma encontrada para dizer ao espectador “não tenho idéia do que estou fazendo, mas me dê um voto de confiança”, o que, ironicamente, reflete o trabalho do próprio diretor/roteirista. E o que dizer da insistência de colocar uma legenda com o nome de um personagem logo após este ser apresentado? E isso acontece duas vezes. Além disso, é divertido perceber a ‘presença’ da fraca trilha sonora de Cliff Martinez (Drive, Contágio) que parece ser acionada apenas em transições, nos raros momentos onde Gudegast lembra de incluí-la.
Já as sequências de ação limitam-se a tiroteios conduzidos sem a menor personalidade por Christian Gudegast (com direito a plano aéreo fora de hora), convertendo sequências aparentemente grandes em barulhentas trocas de tiro onde pouco importa a localização dos atiradores. Enquanto isso, a montagem preguiçosa executada a seis mãos abusa dos fades nas supracitadas transições, ao passo que a fotografia surge no mesmo tom de seus atores: sem personalidade.
Por isso, seria muito melhor se Covil de Ladrões fosse lançado direto em Streaming. Ao menos pouparia os cinéfilos desses intermináveis 140 minutos de tiros sendo trocados por personagens sem o menor resquício de carisma e/ou personalidade.
Vejamos se numa Netflix ou Amazon da vida, o filme tem mais sorte…
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