Simon é um adolescente comum. Ele estuda numa escola tradicional, sai com seus amigos, possui pais amorosos e Com Amor, Simonuma irmã adorada e não tem dificuldades para se encaixar no confortável rótulo supracitado. O problema é que Simon possui um segredo: ele é gay.

Dominado por um desejo avassalador de ser indie, Com Amor, Simon orgulha-se o tempo todo de sua iniciativa inclusiva, como se estivesse gabando-se por contribuir com a representatividade. E quando digo que há a pretensão de ser indie, isso, obviamente, implica em todas as convenções do gênero, como os grafismos na tela, a música alternativa e os personagens marginalizados (e que usam vitrola).

A diferença é que, aqui, é o politicamente correto que acaba ditando o ritmo da narrativa, pautando diálogos e construindo personagens enquanto tenta quebrar paradigmas na marra. Não demora, por exemplo, que um personagem homossexual seja bombardeado por piadas homofóbicas, numa tradicional sequência de bullying que é desmontada graças às respostas rápidas da vítima, que culminam num panfletário ‘chamar de veado nem tem mais graça’.

Claro que, por fora, a produção se disfarça bem, através da direção descompromissada de Greg Berlanti (roteirista de Lanterna Verde) que esforça-se o tempo todo para manter o espectador interessado na história, investindo num tom leve e descontraído, mas que entra em conflito o tempo todo com a seriedade de seus temas. Infelizmente, Com Amor, Simon não parece ciente das consequências de sua história.

Para ilustrar esse desleixo moral por parte do longa, basta observar os esforços de Simon para se encaixar no padrão do ‘gay contemporâneo’. Esses momentos, aliás, colaboram exatamente com tudo aquilo que o filme parece abominar, mas mal percebe estar incentivando: os estereótipos. Na inocência do jovem protagonista, a produção embarca num tom farsesco que parece ignorar a importância de seu discurso. Como se o simples levantamento da questão fosse o bastante.

E mesmo que os personagens sejam cativantes e a ideia inicial seja tão admirável quanto as intenções do projeto, Com Amor, Simon é um produto moralmente questionável, e isso se aplica, também, à forma com que trata a homossexualidade, que é retratada como uma mera atração, como se o homossexual fosse um animal de circo (dos horrores) e seu relacionamento fosse uma de suas habilidades circenses. Não por acaso, há uma inacreditável cena onde dois homens se encontram numa roda gigante e uma multidão se aglomera no chão, torcendo por um beijo. Como se eles fossem animais treinados prestes a executarem um truque. E o mais espantoso é que a produção (assim como a ‘platéia’) parece aplaudir essa atitude, não percebendo a ironia.

Além disso, se inicialmente a questão de se assumir é tratada com o devido cuidado e exposta como um momento sério e delicado, durante a segunda metade é completamente distorcida em prol da espetacularização da sexualidade, em mais uma opção equivocada do roteiro que, embora lance frases de efeito, é incapaz de reconhecer sua própria hipocrisia, numa espécie de extrapolação do ‘faça o que digo, mas não o que faço’.

Já o elenco se entrega sem reservas, embora o protagonista Nick Robinson (Jurassic World) mostre-se pouco desenvolto para seu papel, com direito a uma sequência musical que comprova toda a dureza de seus movimentos. Simpático, o ator até tenta compensar sua falta de energia com uma composição calcada na espontaneidade. Mas se Robinson peca ao surgir travado em cena, o mesmo não pode ser dito de Tony Hale (das séries Veep e Arrested Development) que rouba a cena como um diretor de escola. Com um timing cômico invejável e ótimas intervenções, acaba eclipsando seus colegas de elenco sempre que aparece.

Utilizando referências à cultura pop de modo a dialogar com os mais jovens (acostumados à Fórmula Marvel), o filme absorve com fluidez as várias homenagens a obras de sucesso como Harry Potter e Game of Thrones, que ganham algumas piadas bem sacadas e que dizem muito sobre seus personagens de forma econômica e até mesmo elegante. A trilha sonora, repleta de bandas alternativas também tem sucesso nessa conexão, ajudando a estabelecer a imagem do projeto.

Porém, no terceiro ato, Love, Simon (no original) a história oferece um conflito pouco verossímil, como ao sugerir o abandono dos amigos do protagonistas, como se a própria previsibilidade da estrutura já não fosse o suficiente para enfraquecer a história. Com isso, a narrativa afasta-se ligeiramente da realidade para aproximar-se do que realmente é: um filme tentando emular a realidade.

Uma pena, já que o material era rico o bastante para render uma história que tinha tudo para marcar época. E logo depois do comovente e brilhante Me Chame Pelo Seu Nome, Com Amor, Simon parece ir na contramão das tendências atuais. Não por vontade própria, mas por incompetência mesmo.

Author

Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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