Aventuras pré-históricas não são uma novidade, mas estão cada vez mais raras em Hollywood.  Não por acaso, a mais recente é 10.000 a.C., que estreou há 10 anos e, cujo faturamento abaixo do esperado, talvez explique esse hiato decenal. Por outro lado, histórias “caninas” estão sempre em evidência e, só em 2018, alfamais três produções estão programadas para estrear (não esquecer que Ilha dos Cachorros ainda está em cartaz). Assim, Alfa chega aos cinemas mesclando esses dois subgêneros, trazendo o visual apurado dos épicos sobre a Idade da Pedra para a clássica história de amizade entre o homem e seu melhor amigo.

Na trama escrita pelo estreante Daniele Sebastian Wiedenhaupt, acompanhamos Keda (Kodi Smit-McPhee) um adolescente que está sendo cuidadosamente preparado suceder Tau (Jóhannes Haukur Johannesson, de Game of Thrones) seu pai e também líder de sua tribo. O problema é que durante uma caçada, Keda é separado de seu grupo e precisa não só se recuperar de seus ferimentos como enfrentar todo o caminho de volta para casa. Nessa jornada seu caminho se cruza com o de um lobo, também ferido e separado de sua alcateia e com quem Keda deverá unir forças para encarar os perigos de uma viagem em pleno inverno.

Sem demonstrar muito interesse em desenvolver seus personagens, o roteiro de Wiedenhaupt logo estabelece Keda, Tau e sua tribo como verdadeiras peças num tabuleiro. Sendo assim, Tau deixa sua força imponente inicial para assumir a postura de pai em luto, sentindo-se culpado pela suposta morte do filho, que por sua vez é o único humano com um projeto de arco dramático, já que possui tempo de tela suficiente para abandonar suas inseguranças juvenis e encontrar forças para provar ser o líder que seu pai espera.

Essa dramaturgia rasa encontra ecos na própria aventura que Keda vivencia, como os perigos simplistas e banais que logo se revelam tão previsíveis quanto unidimensionais, como a tradicional sequência onde o ser humano indefeso é defendido pelo amigo de quatro patas, que não hesita em se atracar com um animal maior e mais forte.  Além disso, o clima aventuresco é conduzido de forma rudimentar, quase crua, sem o verniz que poderia ser propiciado por um cuidado maior no desenvolvimento dos conflitos. Afinal, como está a cabeça de Keda diante dessa situação? Uma resposta que Alfa não parece muito interessado em fornecer.

A amizade entre Keda e Alfa, porém, a precisamente o que mantém o interesse do espectador, representando a maior atração do projeto e, nesse ponto, a atuação do australiano Kodi Smit-McPhee, mais conhecido como o Noturno de X-Men: Apocalipse, é fundamental para o sucesso da história. Depois de demonstrar talento no melancólico A Estrada, quando dividiu a tela com Viggo Mortensen, e exalar carisma como o protagonista do ótimo Deixe-me Entrar, Smit-McPhee não decepciona, e praticamente carrega o filme nas costas. Seu colega de cena também não fica atrás: Creditado como Chuck, o lobo que dá nome ao filme pode até empalidecer diante de ícones como Lassie, Rin Tin Tin e Jerry Lee, mas esbanja personalidade, o que facilita na química com o Keda de Kodi Smit-McPhee

Investindo pesado no visual, Alfa é capaz de oferecer algumas dos mais belos planos de 2018, como aquele que mostra uma caverna acesa durante a noite com vários vagalumes em volta ou a caminhada de Keda e Alfa em contraluz e com o Sol (gigante) ao fundo, passando pelas paisagens gélidas do inverno Europeu ou pictórico momento de descanso de Keda no topo de uma árvore. Realmente é difícil escolher o melhor plano, com enquadramentos dignos de serem emoldurados e pendurados na parede. Méritos para o trabalho espetacular do diretor de fotografia Martin Gschlacht (Boa Noite, Mamãe), que dá vazão a todo o potencial estilístico do diretor Albert Hughes.

Hughes, que já havia impressionado pela visão estilizada de O Livro de Eli (ao lado de seu irmão gêmeo), dessa vez dá ainda mais espaço para momentos silenciosos e contemplativos, permitindo que o espectador admire seus belíssimos enquadramentos. Em contrapartida, ao filmar a ação com câmera lenta e filtrar as cores dos cenários digitais, Hughes lembra demais o estilo de Zack Snyder, principalmente seu 300, que aqui ganha uma ‘homenagem’ na sequência onde vários bisões são encurralados num desfiladeiro. 

Já os efeitos visuais esbarram nas limitações orçamentárias, não só a construção de alguns animais como também várias transições escancaram a precariedade da computação gráfica da produção, como na embaraçosa sequência que ilustra a jornada de Keda e Alfa, percorrendo o solo irregular em alta velocidade. 

Ao final das contas, Alfa vale mesmo é pela imbatível história de amizade entre o homem e o animal, reservando algumas surpresas no meio do caminho (como ao sugerir o surgimento da brincadeira de jogar a vareta) e um final apoteótico, com grande potencial a ser explorado por sessões pós almoço de domingo.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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