Desde que chegou aos cinemas em 2013, poucos imaginavam que Invocação do Mal renderia uma franquia tão prolífica. Com uma boa continuação estreando três anos depois, a franquia logo construiu umA Freira improvável universo compartilhado, popularizando personagens, interligando filmes e produzindo derivados protagonizados por ilustres coadjuvantes, que é justamente o caso de A Freira.

Aparecendo pela primeira vez no supracitado Invocação do Mal 2, a freira demoníaca vivida pela atriz norte-americana Bonnie Aarons logo se transformou numa espécie de queridinha dos fãs, participando brevemente de Annabelle 2 e finalmente ganhando seu próprio filme agora em 2018.

Escrita por Gary Dauberman (roteirista dos dois Annabelle) a partir de uma ideia de James San (diretor dos dois Invocação do Mal), a trama é ambientada em 1952, quando um convento no interior da Romênia chama a atenção do Vaticano após o misterioso suicídio de uma freira. Encabeçando a investigação a mando da Igreja, o experiente Padre Burke (o indicado ao Oscar Demián Bichir), ao lado da jovem noviça Irene (Taissa Farmiga, de American Horror Story) viaja até o local e se depara com uma poderosa e antiga força demoníaca.

Atendendo a uma forte demanda do público, A Freira não hesita em assustar o espectador a cada 5 minutos, obrigando o diretor Corin Hardy (do bom A Maldição da Floresta) a encontrar maneiras criativas de construir jump scares. Começando com tradicionais vultos, Hardy logo vai apresentando sofisticados artifícios de arrancar aquele pulo da cadeira, como numa cena envolvendo um cemitério e a ótima sequência que se passa num aposento subterrâneo do convento.

Convento que, aliás, é um triunfo estético, já que ajuda a colocar A Freira na esteira do terror gótico, com direito a quartos pequenos com paredes de pedra e móveis de madeira. A falta de luz, justificada pela conveniente localização remota da abadia, também contribui para a atmosfera sombria da produção ainda que um surpreendente bom humor dê as caras de vez em quando.

Este bom humor fica a cargo de Frenchie, vivido pelo belga Jonas Bloquet (do ótimo Elle) como aquele tipo de alívio cômico que sempre rouba a cena. Com uma personalidade divertida pontuada pelo medo do sobrenatural, Frenchie protagoniza algumas das melhores cenas do filme, como uma piada hilária envolvendo uma peça sagrada (e que envolve um palavrão). Sem soar gratuito, Bloquet compõe o personagem como uma espécie de deboche do habitual herói machão, adicionando uma faceta galanteadora que garante bons momentos diante do ambiente sacro, principalmente com a Irene de Taissa Farmiga.

Irmã mais nova de Vera Farmiga, protagonista dos dois primeiros exemplares da franquia, a atriz exibe carisma e boa química com Bloquet. Além disso, Farmiga parece ter a mesma vocação de sua irmã mais velha no que diz respeito a filmes de horror, demonstrando segurança nas sequências mais fortes e destacando-se num elenco que ainda inclui o talentoso Demián Bichir que, mais uma vez, oferece uma performance marcante como o determinado padre Burke.

Mesmo adequadamente sinistra, a trilha sonora do polonês Abel Korzeniowski (Animais Noturnos) pega emprestado o tema do Supremo Líder Snoke de Star Wars para pontuar as sequências com a freira demoníaca, soando pouco original ainda que eficaz. Já a fotografia de Maxime Alexandre (do vindouro Shazam!) soa como mais do mesmo, investindo na tradicional paleta escura sem ter personalidade suficiente para sobressair diante de outros exemplares do gênero.

Essa dificuldade de se destacar dentro do gênero de filmes de terror também é enfrentada pela própria produção, que opta por atuar no seguro campo de sua zona de conforto, uma escolha natural, mas que decepciona exatamente por tratar-se de uma franquia tão habituada a abordagens mais ambiciosas. Parte dessa falta de ambição reside sobre os ombros do cineasta Corin Hardy, que realiza um trabalho que alterna entre o pragmático e o burocrático.

Felizmente, Valak, a entidade demoníaca por trás da freira é indiscutivelmente o grande destaque da produção, brilhando através da performance nada exagerada de Bonnie Aarons, que beneficia-se não somente de sua silhueta, como também da ótima maquiagem. Valak ressurge quase tão assustador como em sua estreia nos cinemas, quando foi brilhantemente trabalhado por James Wan. 

Com pontuais incoerências que expõem a fragilidade do roteiro, como o excessivo artifício de colocar um personagem seguindo algum elemento, ou ao se contradizer perante a distância do convento, A Freira ainda peca ao apresentar um terceiro ato corrido e didático, o que não pode ser desculpado nem mesmo pela boa rima narrativa envolvendo cuspes. 

Encerrando a narrativa com uma esperada conexão com o primeiro Invocação do Mal, A Freira  está longe de atingir o potencial da figura-título, desperdiçando boas oportunidades numa trama modesta e cuja única ambição é a de fazer o público saltar da poltrona diversas vezes durante a projeção. É pouco para a franquia, mas o suficiente para garantir o passatempo do final de semana. 

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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