Federico Fellini tem uma frase que diz: “O realismo é ruim” e parece que o estreante diretor Taron Lexton criou um conto de fadas difícil de acreditar. Você sairá do cinema pensando o quanto do filme provavelmente seria uma sucessão de fantasias criadas pela mente da protagonista Lucy. O filme é uma declaração de amor ao cinema e o quanto é apaixonante quando um diretor nos arrebata e decidimos acompanhar sedentos toda sua trajetória. Fellini é instigante, ousado, sem pudores e aqui “Em busca de Fellini” parece que o próprio diretor está buscando este Fellini que ele parece não entender tanto.
É indiscutível que o filme é belíssimo visualmente, mas o roteiro enfraquece ao longo da trama e às vezes a trilha sonora e as situações absurdas de ingenuidade da protagonista são tão bregas e feitas para trazer as lágrimas que cansa. O interessante é que você vai conhecendo as cidades italianas através do olhar de Lucy e se sente uma acompanhante nesta viagem e talvez durante o filme você se questione o que anda fazendo com sua vida.
A protagonista desta história é Lucy (Ksenia Solo) é uma garota de 20 anos que vive na pequena cidade de Ohio (EUA) que nunca trabalhou, raramente sai de casa e nunca foi beijada. Ela é extremamente protegida pela sua mãe Claire (Maria Belo) vivendo num mundo conto de fadas, sempre enclausurada em casa assistindo filmes com a mãe (onde todas cenas de sexo são puladas por esta) e fechada para conhecer o mundo real lá fora.
O mundo cor de rosa e nem tão rosa de Lucy muda de cor a partir do momento que sua mãe descobre que está com câncer em estágio avançado. A doença da mãe é o pontapé para mudança na vida da garota e a bolha de fantasia deve ser estourada. Da menina que rabisca desenhos infantis num caderno e suspira com filmes americanos com beijos previsíveis agora teremos uma Lucy jogada no mundo “real” na busca por emprego e numa transformação radical para virar adulta.
Após uma primeira entrevista de emprego absurda e decepcionante, Lucy entra por acaso num Festival de cinema que tem uma sessão especial dedicada as obras cinematográficas do diretor Federico Fellini, que até então era desconhecido para a garota. A partir deste momento é tocada pelo que vê nas telas, enxurrada por uma avalanche de sentimentos que ela desconhecia e decidi assistir todas obras do diretor. É como se Lucy se visse personificada nas personagens interpretadas por Giuletta Masina (por sinal esposa de Fellini e uma das melhores atrizes que assisti em filmes). Uma em especial lembra Lucy: Gelsomina do filme “A estrada da vida”.
Incentivada pela moderna e destemida tia Marie (Mary Lynn Rajskub) a menina resolve ir sozinha até Roma para realizar o sonho de conhecer seu ídolo, o cineasta Federico Fellini. A partir disso o filme explora o universo lúdico e mescla realidade e ficção.
Em Busca de Fellini é o primeiro longa- metragem do estreante diretor sul africano Taron Lexton e escrito por Nancy Cartwright e Peter Kjennos (a experiência foi vivenciada pela roteirista Nancy numa imersão em uma viagem de autoconhecimento pela Itália e na sua busca pelo diretor Fellini ).Talvez pela falta de experiência do diretor e pelo roteiro que enfraquece em vários momentos, o filme às vezes é bobo demais e se você tem problema com personagens açucarados e inocentes demais não aconselho assisti-lo.
Os pontos positivos é que há muitas referências estéticas dos clássicos do diretor italiano.
(“Noites de Cabíria”, “A doce vida” e “8 ½”) que vão aparecendo costurados ao decorrer do filme e quando vemos cenas originais ficamos arrebatados. Aos que são fãs de Fellini nos recordamos o quanto ele é genial de fato. Cada aparição de Zampano (interpretado por Anthony Quinn em “A estrada da vida” é mágico e desejamos que o diretor pire um pouco e extrapole num encontro de Lucy com esta figura tão instigante, mas a inserção dos clips originais são usados de forma passageira e não se aprofundam. Nem todas aparições de personagens marcantes (Sylvia de “A doce vida”, Cabíria de Noites de Cabíria) são usadas criativamente e surpreendem (apesar da semelhança física dos atores escolhidos), tendo destaque no último encontro que Lucy tem antes de chegar a Roma, seu destino final (os dois atores são ótimos e o final do filme até comove).
Desconhecia o trabalho da atriz Ksenia Solo (que é boa atriz e extremamente bela), interpretando com sinceridade Lucy, mas durante o filme a personagem é tão ingênua e clichê de mocinha que desperta em mim apatia. Sua aventura pela Itália têm momentos tão exagerados e mal desenvolvidos que é difícil nos envolvermos. A personagem mais parece uma turista deslumbrada e não consegue se inebriar da poesia burlesca e a ousadia de Fellini. Falta malícia.
Se eu fosse descrever Lucy ela seria uma mistura de Amélie Polauin, Alice no País das maravilhas e Gesomina e todas estas personagens são mais interessantes que Lucy.
Talvez o filme não dê uma grande guinada, pois a protagonista não apresenta isso, mesmo tendo seu crescimento durante o decorrer do filme. Até os adeptos a suspiros em filmes românticos podem achar absurda a forma que Lucy encontra seu primeiro amor, mas teremos a sorte de presenciar homens italianos belíssimos na tela do cinema. Nem todos ragazzos em seu caminho lhe farão bem, mas é inquestionável a beleza dos que passam.
É marcado por frases de efeito e citações do filme do diretor italiano que ficam ecoando no peito e emociona (“Tudo tem um propósito. Mesmo aquela pedra. Até as estrelas. Mesmo você”). Parece um momento que Taron acerta na direção colocando essa frase como se nós e Lucy tivéssemos que entender que as pedras aparecem no caminho para uma grande mudança que se faz necessária.
Li em uma entrevista que o diretor fazia seus filmes para deixar as pessoas mais felizes. Quase ao final do filme somos movidos por várias frases motivadoras e com esperança e aquele ar de “quem acredita sempre alcança”, mas difícil no momento atual estar diante de uma tela de cinema e se deparar com algo que soa por momentos tão infantil.
Não há como exigir que o filme chegue à altura das obras de Fellini, mas tocar num nome tão importante para o cinema dividirá opiniões. Eu ainda acho que Fellini merecia uma homenagem à altura.
Mas não há como negar que a sétima arte nos arrebata e como por vezes somos uma Lucy em lágrimas diante de uma tela de cinema. E há um conselho perfeito no filme: “Ás vezes você precisa viajar para longe para encontrar o que está perto de você”.
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