Ensaio publicado originalmente na revista Jack Kirby Collector nº 1, Set/1994
Por Chris Kemp
Para mim, começou com aquela editora pequena e estranha de quadrinhos. No final dos anos 1950, com 4 ou 5 anos, eu estava apaixonado por quadrinhos. Me disseram que minha avó os lia para mim sentando em seu colo. Na verdade, a maioria diz que foi assim que aprendi a ler.
Os primeiros quadrinhos que me lembro era totalmente para crianças, Denis, o Pimentinha, Luisa, a Boa Bruxinha, quadrinhos de Walt Disney, você sabe como é.
Não demorou muito para outras coisas serem adicionadas na mistura. Tinha Turok porque eu gostava de dinossauros e uma torrente de coisas da Era de Prata da DC chegando: Batman, Superman, Os Melhores do Mundo, Liga da Justiça, etc. Naqueles dias dos super-heróis recém revitalizados (não sabia disso), DC era o padrão profissional pelo qual todos os outros (e não havia muitos) eram comparados.
Apesar disso, algo espreitava nas bancas naqueles dias, algo contendo sementes de grande importância – embora ninguém pudesse saber naquela época. E é aí que entram as editoras de quadrinhos estranhos.
Até onde sei, a editora nem sequer tinha nome (com certeza não achava o nome nas capas), mas mesmo assim você sempre sabia dizer quais eram suas revistas. Eram todas parecidas e os títulos era similares: Histórias de Suspense, Histórias para Assombrar, Histórias Estranhas. Mas importante ainda, as capas exibiam uma galeria das criaturas mais incríveis que eu já havia visto em minha curta vida.
Eram formigas gigantes, árvores vivas, aliens monstruosos (sempre em tamanhos enormes), uma passada de tinta (mágica) que fazia uma estátua ficar viva e mais. Algumas eram coisas que não tinham nenhum precedente na natureza, com um arte tão original que me hipnotizavam completamente. Às vezes até monstros tradicionais como dragões eram desenhados de um forma tão… tão… diferente e bizarra.
A singularidade desses quadrinhos me enfeitiçaram. Super-heróis eram legais, mas tinha algo de especial nesses quadrinhos. Eu os via nas bancas e minha pulsação aumentava. Meu primeiro vício em cultura pop havia começado.
Em seguida já estava comprando esses quadrinhos regularmente e, com o tempo, fui percebendo certas coisas sobre eles. Por exemplo, percebi que aprimeira história de cada título era sempre a melhor. Geralmente apresentava o monstro da capa e era obviamente ilustrada pelo capista. Eu era muito jovem, mas não me tomou muito tempo para me dar conta que era a arte delas que as tornava especiais.
E que arte era! Era uma enxurrada de elementos estranhos e bizarros, mas era, ao mesmo tempo, repleta de ação. Criaturas que se moviam em direção às suas vítimas ou saltavam das páginas onde estavam desenhadas. Quando você via aquelas coisas, você achava que o cara que desenhava elas as tinha visto… de verdade.
Depois de alguns meses de leitura, eu notei outra coisa nessas “histórias boas”. No pé da página, geralmente uma página inteira espetacular mostrando a criatura, o mesmo rabisco aparecia em todas: “Kirby e Ayers”.
Corta para 1961. Continuo devorando cada exemplar dos “monstros de Kirby” que eu posso (todas as tentativas de outros ilustradores em desenhar monstros eram pálidas em comparação – mesmo daqueles que trabalhavam nas revistas de Kirby!), mas eu também continuava na onda dos incontáveis heróis fantasiados da DC que assolavam as bancas. Fascinantes como Goom, Googam, X e Krang fossem, super-heróis permaneciam parte de uma dieta balanceada de fantasia – e eles se multiplicavam rapidamente.
Claro, a maioria desses super-heróis são bobos. E mesmo que eu esteja apenas (pelos padrões psicológicos e teológicos) no limiar da idade da razão, algo sobre o dia à dia desses personagens parecia falso demais. Mas de toda forma permanece o fato de que não existem alternativas.
Até o dia em que isso muda. Eu entro na loja de bebidas e vejo algo nas prateleiras que atrai minha atenção. É uma revista nova, e parece ser publicada pela mesma editora dos quadrinhos de monstros. Certamente tem a mesma aparência – aquele estilo “Kirby e Ayers”. E tem um monstro gigante – como nas Histórias para Assombrar – saindo do meio da rua. Até mesmo o design do título, Quarteto Fantástico, cheirava à quadrinhos de monstros.
Não consigo manter meus olhos longe da revista porque ela é diferente dos outros quadrinhos de monstros. Na verdade – poderia ser? – parecia quase como um quadrinho de super-herói. Eu olho mais de perto, pego e vejo um homem esquisito em chamas voando pelo céu. É certamente uma criatura estranha, mas se meus olhos não me enganam, ele supostamente é um dos mocinhos.
E aí eu vejo a pegadinha. Um monstro de pedra laranja. Ele é menor que monstro saindo do chão, mas tão estranho quanto qualquer outro que eu tenha visto nas páginas de Histórias de Suspense. Notei que ele parecia com raiva de algo, mas não dava pra se enganar que ele também era um dos mocinhos. Inacreditável! Os monstros são heróis! Quem ou o quê estava criando isso?
A revista tem uma aura sobre ela, e uma bem esquisita. Me sinto como se tivesse tropeçado sobre um manuscrito místico ou um tesouro proibido – as mesmas coisas sobre as quais havia lido nas revistas da editora. Algo está estranho. Quadrinhos não deveriam ser assim.
Agora já é óbvio que não se trata de uma revista normal, mas, interessante como era, eu a deixo nas prateleiras naquele dia. Por algum motivo ela parecia vagabunda, ilegítima, um cidadão de segunda classe, ainda mais comparada com a capa polida de Superman e Batman ao lado dela. Até as cores parecem menos vibrantes. Talvez eu esteja com medo de ser engando. Afinal, super-heróis são o tradicional. Essa editora de quadrinhos de monstros por outro lado… bem… (ou talvez eu esteja com medo de abrir a Caixa de Pandora).
Nos dias que se seguiram, eu continuo minhas quase diárias idas às prateleiras. Eu sempre vejo a revista e ela não me deixa em paz. Eu pego e dou uma folheada toda vez que estou lá. O que está entre as capas começa a baixar dentro de mim. Esses “heróis” brigam ente si, ficam deprimidos, ficam com ciúmes a parecem meio negativos sobre a vida de uma forma geral. Eles falam de uma forma diferente da de outros heróis. Em resumo, ele são bem estranhos. Como esse tal de Toupeira é estranho. Como as criaturas dele, magrelas e de olhos esbugalhados, são estranhas. É igual aos quadrinhos de monstros, mas diferente.
Finalmente, minhas revistas do mês acabam e, mesmo que Quarteto Fantástico nº 1 ainda pareça ilegítimo pra mim, eu me rendo ao seu chamado. Mesmo que eu já tenha lido metade dele na loja, eu compro e levo pra casa. Leio de novo e de novo. Eu espreito as bancas esperando pelo segundo número (o que virou uma espera intolerável de dois meses).
Nunca mais fui o mesmo.
Agora é 1994 e vimos a ascenção e a queda da Marvel, a quase morte da indústria dos quadrinhos, seu renascimento via venda direta, independentes pipocando a mais sexo e violência do que você pode apontar.
Mas nada, absolutamente nada, veio tão do nada quanto aqueles primeiros quadrinhos de monstros e a primeira revista de super-herói moderno, o Quarteto Fantástico. Eu sei que minha idade teve algo a ver com isso, mas eu também acho que a visão única e sem precedentes teve muito a ver com isso. Ele era tão extraordinário e original quanto possível, tanto que no final dos 1950, suas revistas pareciam ser criadas em algum ligar além do nosso plano de existência. Como por magia.
Nos anos que se seguiram a publicação de Quarteto Fantástico nº 1, Jack e seu talentoso colaborador Stan Lee se revelaram para mim como seres humanos. Suas histórias e arte evoluíram, se multiplicaram e se afastaram de suas raízes monstruosas, mas eu fui tragado da mesma forma. O Quarteto Fantástico se tornou o centro de minha vida recreativa; seus personagens, meus amigos. Eu anseio por isso todo mês seguido. Sou incapaz, sempre, de me cansar deles.
“Como por magia”, eu disse antes. Talvez, depois de tudo acabado, esse seja o melhor termo para descrever a originalidade e a ousadia da imaginação de Kirby. Ele me cativou por toda a vida.
Tradução: Jerri Dias
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