“Por trás de um grande homem, sempre existe uma grande mulher.”
Essa máxima poderia perfeitamente ser utilizada para definir Trama Fantasma, novo trabalho do cultuado cineasta Paul Thomas Anderson. Também escrita por Anderson, a produção acompanha o respeitado figurinista Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis) que, trabalhando em casa, vive de confeccionar sofisticados vestidos para o alto escalão da Sociedade, incluindo membros da realeza e outras pessoas importantes. Mas o solteiro convicto vê sua vida sofrer uma reviravolta inesperada quando conhece a jovem e enigmática Alma (Vicky Krieps), que logo torna-se sua musa.
Dividindo seu apartamento com a irmã, Reynolds é encarnado por um Daniel Day-Lewis em sua melhor forma: concebido como um homem metódico, divinamente talentoso, mas cuja obsessão parece distanciá-lo de sua faceta gentil e extremamente educada, o figurinista segue uma rotina cartesiana que já começa por um café da manhã perfeito, já que trata-se de um momento silencioso e cujos potenciais conflitos são capazes de arruinar um dia inteiro. Além disso, Day-Lewis volta a comprovar sua genialidade, surgindo expressivo e imponente, dando-se o luxo de demonstrar tédio utilizando apenas um copo.
A rotina meticulosa – brilhantemente estabelecida durante o primeiro ato por Paul Thomas Anderson – sofre um ligeiro abalo pela chegada de Alma, que não só passa a morar com Reynolds e sua irmã Cyril (Lesley Manville), como paulatinamente passa a conquistar um espaço cada vez maior, o que acaba gerando atritos com o genioso artista e sua protetora. A pouca expressividade de Vicky Krieps acaba sendo instrumental para a manutenção das lacunas de sua personagem, visto que sua devoção sem reservas, vai dando lugar a uma postura que sugere uma rivalidade. Tudo sempre mantendo a dose certa de mistério.
Já Lesley Manville é, provavelmente, a figura mais fascinante da história: Porto Seguro do talentoso irmão e sempre comedida em seus modos, Cyril é uma mulher que exala respeito e credibilidade, permitindo-se até mesmo mostrar um curioso virtuosismo, ao reconhecer com exatidão um perfume e sua respectiva composição através do olfato direto. Manville também é hábil ao imprimir energia nos momentos em que Cyril mostra autoridade, impondo-se diante de seu irmão mesmo quando este encontra-se num momento de fúria descontrolada. E quando a ouvimos dizer a Reynolds “Não puxe briga comigo, porque você sabe que eu vou acabar com você”, ficamos estarrecidos, pois se até mesmo Reynolds, o suposto macho-alfa, abaixa a cabeça para Cyril, sabemos que ela é mesmo o que sugere.
Nesse ponto, o roteiro de Anderson não apenas concentra-se no dia-a-dia movimentado dos Woodcock, como passa a dar espaço para o relacionamento destes com a esfíngica nova musa. E é exatamente quando a moça finca suas raízes na vida dos irmãos Woodcock que a trama passa a ganhar contornos de thriller psicológico, quando o amor tóxico experimentado pelo improvável casal oferece mais camadas à já complexa engenharia narrativa, culminando num epílogo quase inevitável ao apresentar uma solução (ou consequência) para um romance onde a mulher jamais se curva diante de seu exigente e poderoso marido. A epifania que surge diante do conflito de personalidades (ou identidades) é um dos momentos mais apoteóticos dessa leva pós-Sangue Negro de Paul Thomas Anderson.
Enquanto isso, o compositor Jonny Greenwood, colaborador de longa data do diretor, apresenta o melhor trabalho de sua carreira, investindo em refinadas melodias tocadas no violino, ao passo que os excepcionais figurinos de Mark Bridges transmitem com perfeição o talento de Woodcock, numa tarefa difícil e cujo fracasso corresponderia a uma verdadeira tragédia temática.
Seguindo nessa linha, a direção de Anderson é outro ponto a ser elogiado: passeando com leveza e elegância pelos suntuosos aposentos da mansão Reynolds, o cineasta não se entrega a arroubos estilísticos, mantendo a disciplina necessária para uma condução sóbria e absolutamente requintada, permitindo, além disso, que possamos admirar o primoroso trabalho de Mark Tildesley (Trainspotting 2), que confere um ar tipicamente britânico aos aposentos da enorme casa. Igualmente exemplar é o design de som, que chama atenção pelos tensos momentos propiciados pelo fatídico café da manhã que enfurece Reynolds, destacando o som de cada objeto manuseado por alma.
Fechando sua narrativa com uma conclusão que inspirará deliciosas discussões sobre a natureza doentia do amor retratado aqui, ‘Trama Fantasma‘ também marca a possível última atuação de Daniel Day-Lewis, que anunciou sua aposentadoria recentemente. E encerrar sua invejável carreira com esta produção é mais um luxo experimentado por este que é, certamente, um dos maiores atores de sua geração, fazendo história, também, como um dos mais premiados e prestigiados intérpretes de todos os tempos. Ao menos sairá de cena de cabeça erguida e de forma triunfal, mas como fará falta…
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