Quando Taika Waititi foi escolhido para dirigir esta última parte da trilogia do Deus do Trovão, ficou mais do que evidente a intenção da Marvel de assumir de vez sua verve cômica. Conhecido no cenário dos filmes independentes por seu humor irônico bem peculiar, Waititi realiza algo um pouco mais coerente com Thor do que seus antecessores, que hesitavam na indecisão de fazer um filme de super-herói ou uma comédia escrachada. Thor – Ragnarok é uma comédia de apelo infantil e que não se envergonha disso em nenhum momento, o que resulta em seu maior trunfo, ainda que, certamente, afastará uma parcela de espectadores.
Espectadores estes que podem torcer o nariz para o “novo” Thor (Chris Hemsworth, pela quinta vez), que agora é um sujeito leve, mais descontraído e muito menos sisudo do que em suas aventuras anteriores, concluindo o processo definitivo que buscava desmistifica-lo. Aliás, sem sua prepotência habitual, o super-herói experimenta algumas situações que quebram sua aura divina, o que permite aos roteiristas brincarem com sua falta de humildade, ao construírem uma série de gags que fazem graça exatamente com esta sua antiga marca registrada.
E Chris Hemsworth, aliás, exerce papel fundamental nessa reconstrução de Thor, sendo hábil ao evocar uma pureza tão genuína que, várias vezes, o permite agir como uma verdadeira criança, o que justifica uma série de atitudes tomadas pelo personagem e ainda contribui para humaniza-lo. Nesse aspecto, vale ressaltar, Hemsworth se sai muito melhor ao explorar seu decente timing cômico, o que compensa sua canastrice habitual e até perdoa eventuais desequilíbrios dramatúrgicos.
O curioso, porém, é ver o Hulk (dublado novamente por Lou Ferrigno) também embarcar nessa composição que praticamente o converte numa criança gigante e verde, traçando um paralelo divertido com o protagonista e proporcionando alguns bons momentos consequentes da boa química entre os dois. Já seu alter-ego, novamente interpretado pelo competente Mark Ruffalo, oferece pouca novidade em relação ao que já vimos de seu personagem, o que não ofusca seu trabalho, apesar de o roteiro investir numa previsível subtrama que traz a Bruce Banner o mesmo dilema vivido por Dr. Jekyll em O Médico e o Monstro, numa tentativa pouco original de adicionar profundidade ao cientista.
E por falar em roteiro, o trabalho de Eric Pearson (que já escreveu vários curtas da casa) e Christopher L. Yost (Thor – O Mundo Sombrio) divide a trama em dois núcleos: um que foca a situação sombria em que se encontra Asgard e outro situado num planeta distante onde Thor tenta desesperadamente retornar ao seu lar. Com isso, o vai-e-vem força a montagem a encontrar soluções para impedir que o ritmo saia prejudicado e acaba ganhando uma forcinha da dupla de roteiristas, que cria uma verdadeira metralhadora de piadas. Nesse sentido, Ragnarok é, facilmente, o mais infantil das produções Marvel, apresentando Thor como um sujeito capaz de protagonizar situações bobas, agir como um estúpido (como ao jogar uma bola num vidro e ser atingido de volta) e até mesmo ter conflitos típicos de uma criança. Não que isso seja algo negativo, pois funciona dentro da lógica proposta.
Falando em lógica, o universo deste filme é tão excêntrico (para não dizer absurdo) que encaramos com normalidade as caracterizações exageradas de personagens como o Grão-Mestre, por exemplo, interpretado por Jeff Goldblum com um grau de afetação ainda maior que o do Colecionador de Benicio Del Toro em Guardiões da Galáxia, transformando-o numa das figuras mais estranhas e divertidas do filme. Em contrapartida, Cate Blanchett padece do famoso desdém da Marvel com seus vilões, já que é desperdiçada no papel de Hela, a irmã maligna de Thor e que pouco faz além de pronunciar frases de efeito e desfilar com seu estiloso visual enquanto mata seus oponentes com requintes de crueldade.
Estilosa também é a trilha sonora composta por Mark Motherbaugh (Anjos da Lei, Uma Aventura LEGO), cuja pegada eletrônica se assemelha aos temas dos videogames, mas que comprova a falta de unidade da franquia, que possui trilhas (e compositores) completamente distintas entre os três filmes. Por outro lado, a fotografia de Javier Aguirresarobe (Goosebumps, Horas Decisivas) é um show à parte: investindo nas cores para distinguir os dois núcleos narrativos, Aguirresarobe contrapõe o dourado de Asgard com o colorido de Sakaar, ao mesmo tempo em que tenta driblar o véu cinza proveniente do 3D convertido. Com isso, ele não só é competente por conferir identidade ao projeto, como também cria planos lindamente pictóricos, como a espetacular imagem de Hela preparando-se para o ataque de dezenas de Valquírias que, montadas em cavalos alados, chegam pelo alto, numa contraposição de amarelo e verde escuro.
Uma dessas Valquírias, no entanto, é interpretada pela talentosa Tessa Thompson (Creed, Selma) que surge carismática numa atuação vigorosa, mas que não é suficientemente desenvolvida pelo roteiro, que demonstra desinteresse em se aprofundar no claro alcoolismo da personagem e seu passado comovente. Fechando o elenco secundário, Anthony Hopkins, excelente como de hábito, tem uma rara oportunidade de comprovar seu bom humor, naquela que é, provavelmente, a mais divertida cena de Odin (e que envolve uma peça teatral).
Mantendo o padrão Marvel de piadas excessivas, Thor – Ragnarok finalmente sucumbe a estas durante o terceiro ato, num dos poucos tropeços do cineasta Taika Waititi (O que Fazemos nas Sombras) que, além de se sair bem ao empregar a ironia para construir grande parte das piadas, se esforça na condução das cenas de ação, que, embora estejam em segundo plano e jamais atinjam a excelência de tantos outros blockbusters, não chegam a decepcionar. O que não pode ser dito da sequência de batalha entre Hulk e Thor, onde o longa entrega-se a um artificial festival de CGI, escancarando o uso da tela verde e tirando o espectador do filme.
Encerrando a projeção com um clímax que provavelmente o colocará como uma das primeiras produções do “Universo Marvel” a finalmente produzir consequências, Thor – Ragnarok não foge à famigerada Fórmula Marvel, mas ao menos tem a decência de se assumir como o que realmente é: uma açucarada comédia infantil feita sob medida para agradar àqueles que procuram um passatempo bom e escapista.
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