Que muitos “filmes de tubarão” já foram feitos, não resta a menor dúvida. Alguns realmente bons, como Do Fundo do Mar e o recente Águas Rasas. Nenhum, porém, chegou perto do icônico Tubarão (1975), de Spielberg. MegatubarãoClaro que para cada produção acima da média, há, pelo menos, três bizarrices. Dentre as bizarrices, há aquelas feitas para serem bizarrices propositalmente (geralmente filmes B), como a famosa série trash Sharknado; e há também besteiras colossais que perdem relevância justamente por buscarem a seriedade. Felizmente, Megatubarão é um meio-termo, pois se não chega a ser uma bizarrice, ao menos não é tolo o bastante para se levar a sério. E isso é um tremendo ponto positivo.

Adaptado do livro MEG: A Novel of Deep Terror, publicado em 1997 por Steve Alten, o roteiro escrito a seis mãos acompanha uma operação de resgate à tripulação de um pequeno submarino que ficou preso no fundo do oceano índico (próximo das Filipinas). O motivo da expedição do tal submarino é a descoberta de uma espécie de ‘fundo falso’, com uma densa camada de uma substância química que praticamente serviu como camuflagem de um fundo ainda mais… profundo. O problema é que para tentar voltar à superfície, a operação deve passar por, nada mais, nada menos, do que um Megalodonte, o famoso tubarão pré-histórico que pensava-se estar extinto. Para essa tarefa, é chamado Jonas Taylor (Jason Statham), um corajoso mergulhador que teve contato com o gigantesco animal durante uma missão no passado. 

Diante de uma trama tão estapafúrdia, (tentar) levar-se a sério provavelmente seria fatal para o projeto. Sabendo disso, o diretor Jon Turteltaub (de A Lenda do Tesouro Perdido e sua continuação) logo estabelece uma atmosfera leve e descompromissada, priorizando o tom aventuresco e deixando de lado o horror que costumeiramente marca esse tipo de produção. A começar pela trilha sonora que, aproveitando as locações do filme e a nacionalidade chinesa de parte do elenco, inclui melodias tipicamente orientais em sequências que não possuem essa demanda (e a animada canção “Mickey” contribui para o clima galhofa).

Corroborando essa fanfarronice, Jason Statham surge como o nome ideal para encabeçar o elenco: famoso pelo visual quase imutável que inclui a tradicional careca, o físico musculoso, a barba por fazer e a voz rouca, Statham encarna o típico herói dos anos 80, não hesitando em soltar frases de efeito e valorizando a postura heróica de seu Jonas. Evidentemente, nem mesmo o durão Statham se furta de mostrar um sorriso ou caprichar numa piada (aquela que envolve a canção “Continue a Nadar” de Procurando Nemo é a minha favorita). Boa parte dessa humanização fica a cargo da pequena Sophia Cai, que rouba a cena na pele de Meiying. Seus diálogos com Jonas são o ponto alto da produção, que ainda inclui o sempre eficaz Rainn Wilson (o eterno Dwight da série The Office) e a carismática Li Bingbing (Transformers: A Era da Extinção).

É uma pena, portanto, que no meio de todo esse clima descompromissado a produção veja a necessidade de incluir comentários desajeitados sobre assuntos atuais, conseguindo resultados irregulares. Se chega a ser divertido ver um personagem evitando mencionar a palavra Greenpeace “para evitar questões legais” (uma piada metalinguística que funciona), é embaraçoso ver uma sequência absolutamente deslocada onde vários tubarões mortos são vistos na superfície apenas para que alguém lembre da crueldade dos caçadores de tubarões (que cortam a barbatana e soltam o bicho para a morte certa) que movimentam o mercado negro, numa crítica pertinente, mas artificialmente colocada na trama.

E cheguei a conter o riso ao ver um suposto personagem “sério” lamentar que a morte do Megalodonte poderia ser ruim para a Ciência, já que estariam repetindo a velha rotina de “descobrir e destruir logo em seguida”. Por outro lado, Rainn Wilson, encarnando o estereótipo clássico de bilionário inescrupuloso, é bem sucedido ao soltar um “cada mutilação ou morte por esse animal é um processo judicial em potencial”, ilustrando com perfeição sua personalidade.

Já em relação aos efeitos visuais, o resultado é semelhante, pois se a artificialidade do movimento do Megalodonte surge palpável em alguns momentos, na maior parte do tempo soam apenas corretos, com uma ou outra particularidade inspirada (como as cicatrizes no corpo do tubarão ou os peixes que o acompanham “grudados” em seu corpo). Em contrapartida, a classificação indicativa inevitavelmente dilui o impacto das ações do gigantesco animal, mesmo que a produção abuse do sangue na água (afinal, a câmera sempre corta antes de vermos as consequências de suas mordidas). Aliás, vale destacar a homenagem que a produção presta ao Tubarão de 1975: O nome do cão que desaparece na água após o surgimento do tubarão-branco é o mesmo do pequeno Yorkshire visto aqui. Também na água… Se ele sobrevive ou não, só assistindo para descobrir.

Mergulhando de cabeça (perdoe o trocadilho) no absurdo ao construir um clímax onde a palavra “exagero” soa como um divertido eufemismo, Megatubarão é um filme que entrega exatamente o que dele se espera, mas com uma pitada de cinismo que torna a experiência irresistível. Está longe de ser memorável, mas seus 114 minutos passam rápido e serão muito bem acompanhados de um balde de pipoca. Afinal, esse não era o propósito desde o início?

Author

Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

Comments are closed.