Vastamente explorada pelo Cinema, a clássica história do nobre que roubava dos ricos para dar aos pobres já teve nomes como Errol Flynn, Kevin Kostner e Russell Crowe como protagonistas. Portanto, esta mais nova versão já traz para si, logo de cara, o desafia de apresentar novidades, mostrar algo que realmente faça valer uma nova refilmagem, algo que já não estejamos carecas de saber.
E mesmo que a roupagem pop e a narração pseudo-descolada (“Eu poderia contar a história toda, mas você ficaria entediado e não prestaria atenção”) dêem uma bem-vinda rejuvenescida, o fato é que o projeto já nasce condenado, através do fraco roteiro que acaba tomando liberdades demais e desvirtuando as motivações de Robin, cujo heroísmo é transformando numa obra do acaso, quase acidental.
Encarnado dessa vez por Taron Egerton (de Kingsman), Robin de Loxley é um nobre que ostenta um belo solar e se entrega ao amor de Marian (Eva Hewson, de Ponte dos Espiões), mas que ao ser convocado para lutar nas Cruzadas, vê sua realidade desmoronar a partir do momento em que é dado como morto pelo maligno xerife de Nottingham (Ben Mendelsohn, de Rogue One), vendo seu lar ser tomado pelo governo.
A partir daí, o script concebido pelos estreantes Ben Chandler e David James Kelly, que já encontrava dificuldades para estabelecer Robin em seu universo pré-Cruzadas, atira o personagem no colo de John (Jamie Foxx, de Em Ritmo de Fuga), inicialmente um inimigo (um mouro), mas que torna-se um aliado do herói após um evento traumático envolvendo os dois. John é responsável também por transmitir a famosa ideologia de distribuição de renda.
E é justamente aí que reside o maior problema, pois Robin Hood não possui o menor interesse em assumir uma causa ou sequer vingar-se do Xerife, pois o que lhe importa mesmo é reconquistar Marian, agora comprometida com o ambíguo Will (Jamie Dornan, o Christian Grey de Cinquenta Tons), uma espécie de revolucionário. Junte isso à vida dividida entre a luxúria dos banquetes nobres e a dureza da obscuridade dos treinamentos e temos um jovem em busca de identidade, e não um homem à procura de justiça.
Taron Egerton faz o que pode para tornar interessante um personagem já desgastado pela exploração excessiva, se saindo relativamente bem com seu charme habitual e nas sequências de ação, quando sua entrega e seu invejável vigor físico nos remetem imediatamente ao seu Eggsy de Kingsman, que deixa Robin Hood – A Origem no chinelo, principalmente em termos de ação.
Aliás, o filme se assemelha muito mais ao recente Rei Arthur – A Lenda da Espada, em sua tentativa de abordagem pop, embora apequene-se exatamente naquilo que faz a obra de Guy Ritchie se destacar: estilo. Pois falta ao diretor Otto Bathurst, outro novato, não apenas estofo, mas apuro visual, algo que trouxesse personalidade à sua visão ao invés das inúmeras escolhas questionáveis que faz.
O cineasta mal sabe posicionar sua câmera, capturando a ação de ângulos, no mínimo, peculiares, num tiro que sai pela culatra se levarmos em conta a evidente preocupação com a originalidade estética. Por falar em angulações, Bathurst demonstra um estranho fetiche com planos aéreos, investindo em plongées sem o menor motivo, como no momento em que alguém penteia o cabelo, por exemplo. Sim, você leu certo. Já as sequências de ação escancaram a falta de experiência da equipe, que abusam da câmera lenta na construção de planos pouco imaginativos e que ainda se tornam confusos graças aos cortes excessivos da montagem.
“Confusão”, vale destacar, é a palavra-chave deste novo Robin Hood: não bastasse a indefinição acerca das motivações de seu protagonista, somos submetidos a um óbvio subtexto que demoniza a elite num primeiro momento (valorizando o povo e sua força), apenas para mostrar um nobre privilegiado ‘mudando de lado’ para salvar a plebe no momento seguinte. Essa crise de identidade política contribui para a narrativa flertar perigosamente com o ridículo.
Ao menos temos Jamie Foxx divertindo-se com o papel (e com o dinheiro fácil do cachê) de mentor de Robin, adotando uma composição estilizada e que se aproxima das origens folclóricas do famoso João Pequeno de Sherwood. Em contrapartida, Jamie Dornan comprova (mais uma vez) sua inexpressividade, fazendo do enigmático Will uma figura opaca e desinteressante, conseguindo a proeza de piorar o material do roteiro. E não sei como o personagem consegue atrair multidões com seus discursos tacanhos.
Apelando para uma intriga amorosa que só diluem o desfecho da história (além de fazer o espectador revirar os olhos), a narrativa ainda exibe furos difíceis de ignorar, como o fato de John sempre agir de cara limpa e nunca ser reconhecido ou ligado a Robin, a misteriosa recuperação dos bens de Loxley e, claro, o anacronismo de colocar manifestantes arremessando bombas em pleno século XII.
Fechando o elenco secundário, Eve Hewson surge subaproveitada, refletindo a falta de visão de uma produção que poderia se beneficiar da ideologia de sua personagem, uma cidadã consciente e rebelde que é transformada numa mera donzela indefesa, revelando-se uma legítima Dona Flor da Idade Média. Um desperdício que só não chega a ser maior do que Ben Mendelsohn, que repete vários trejeitos de seu Orson Krennic em Rogue One e converte o Xerife numa figura genérica e maniqueísta. Isso para não mencionar o exagero de suas atitudes, que são traduzidas na forma de diálogos que sempre pregam a extorsão e o assassinato.
Robin Hood – A Origem só acerta em cheio mesmo na atmosfera, já que o descompromisso que toma conta da narrativa proporciona uma experiência leve e agradável, evitando que esta irregular nova versão do mito inglês descambasse para algo próximo do insuportável.
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