Primeiro filme da diretora Andrea Berloff (roteirista do bom Straight Outta Compton: A História do N.W.A.), Rainhas do Crime é uma espécie de comédia dramática feminista sobre o submundo irlandês dos anos 1970 em New York. Como hoje ter conhecimento de História recente ou mesmo assistir filmes dessa época é algo que o espectador comum não tem interesse, talvez muitos deles estranhem a podridão e sujeira de um dos bairros mais famosos da cidade, o Hell’s Kitchen, mas essa década foi uma época onde era muito comum que gangs e criminosos se matassem em plena luz do dia usando todo tipo de método, desde facas e armas de fogo até explosões de carros e imóveis para eliminar adversários ou punir quem se atrevia a não seguir suas “leis”.
Ora, como mostrado no filme O Ano mais Violento (2014), até mesmo empresários do ramo de distribuição de gasolina assaltavam-se a mão armada dia e noite para roubar os caminhões-tanques da concorrência. Isto posto, o filme não exagera em mostrar as ruas imundas, gente pobre e a violência desenfreada e quase impune que gravita em torno das personagens principais. Aliás, palmas para a recriação excepcional da antiga e suja New York pela direção de arte de Ernesto Solo e pelo desenho de produção de Shane Valentino. Claro, com uma grande ajuda da equipe de efeitos digitais na reconstrução da cidade toda nos planos abertos.
Baseada na minissérie homônima em quadrinhos do selo Vertigo (selo adulto da DC Comics), The Kitchen – Rainhas do Crime, segue a trajetória de três mulheres vivendo na comunidade irlandesa do bairro supracitado: Kathy (Melissa McCarthy), Ruby (Tiffany Haddish) e Claire (Elisabeth Moss). Melissa McCarthy, famosa por diversas personagens cômicas e expansivas de comédias como Missão Madrinha de Casamento, está bem dentro do pape da contida e cerebral Ruby, cabeça do trio, mostrando que mesmo apesar de um roteiro que não dá ao personagem um arco completo, uma comediante sempre tem talento para papéis mais dramáticos. O mesmo vale para Tiffany Haddish, também advinda de muitas comédias. Por ser negra, seu personagem serve para levantar questionamentos racistas dentro da comunidade e época em que vive, pois ser casada com um branco em um bairro pobre nessa época era algo muito mais tolerado do que aceito de fato. Por fim, temos Elisabeth Moss, de O Conto da Aia, que, na minha modesta opinião, tem o melhor arco do filme, que passa pelo dramático, pelo romance e pelo humor negro. Seu personagem já vem com o peso da série que protagoniza na Netflix e traz ecos dele, como é comum quando se escala atores em Hollywood, sempre se busca profissionais que o público já possa fazer uma identificação direta do personagem com outros que a mesmo já fez. Ou quebrar expectativas, como é o caso da dupla de comediantes.
E lá estão elas, Kathy com seu marido criminoso e marido e pai amoroso, Ruby com seu marido bandido grosseiro e mulherengo e Claire com seu marido marginal sendo vítima constante de violência doméstica. Os três meliantes são presos em um assalto frustrado e as mulheres, donas-de-casa típicas da época, sem experiência ou educação formal, ficam a mercê da ajuda financeira provida pela pequena máfia a qual pertenciam os maridos. Como a ajuda parece só servir para uma cesta básica, as três descobrem que a máfia vagabunda de seus maridos é muito ineficiente e decidem, com a ajuda de dois capangas armados, começar a cobrar proteção de pequenos comerciantes e fazer pequenos favores aos mesmos e sindicatos. Tudo em troca de dinheiro e com uma desculpa esfarrapada, que todo político corrupto deve dizer para si mesmo, de que estão ajudando a comunidade.
E apesar de algumas boas cenas que lembram bons takes de Scorsese, um assassino sexy ex-machina interpretado por Domhall Gleeson (Ex-Machina – pura coincidência gente!) e o mafioso italiano amedrontador de Bill Camp, o roteiro tem um discurso empoderador feminista ao mesmo tempo em que mostra as protagonistas explorando prostitutas. Certo, nem tudo é preto e branco, mas com pelo menos duas personagens com histórico de preconceito e abuso por parte de homens, o roteiro talvez devesse ser um pouco mais coerente com essa questão já que o tópico da opressão à mulher é levantado pelo roteiro.
Ao mesmo tempo, apesar de ser comum termos criminosos como protagonistas em filmes e até simpatizarmos com eles em muitos momentos, filmes como O Pagamento Final ou Os Bons Companheiros não falham em mostrar que seus personagens são criminosos violentos e que o melhor é ficar longe dessa gente. Ao demonstrar simpatia demais e tentar levantar uma bandeira feminista contra o patriarcado de mafiosos masculinos mostrando mulheres sob um olhar mais simpático e bem-humorado, mas ainda assim matando policias e empresários honestos, além de outros crimes menores contra inocentes, o filme parece também levantar uma bandeira pró-crime, já que essa máfia age como as milícias do Rio de Janeiro apoiadas por políticos; extorquem, chantageiam, roubam, espancam e matam para providenciar “serviços” para a comunidade como proteção e empregos temporários.
Filmes moralmente ambíguos são sempre bem-vindos, inclusive são meus preferidos, mas isso quando vem com uma boa reflexão e crítica social, o que infelizmente, a diretora falhou em nos proporcionar. Incluindo aí um final com um twist forçado e insatisfatório.
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