Com pouco mais de 30 anos, o cineasta Damien Chazelle já possui um currículo de fazer inveja. Além dos roteiros de Rua Cloverfield, 10 e Toque de Mestre, Chazelle também é responsável por Whiplash – Em Busca da Perfeição, Primeiro Homemfilme que surpreendeu Hollywood por demonstrar a maturidade de um diretor/roteirista que mal aparentava estar em seu segundo longa-metragem.

Mas foi com La La Land – Cantando Estações que Damien Chazelle se firmou como um dos maiores prodígios da atualidade, tornando-se o mais jovem diretor a conquistar um Oscar, com apenas 32 anos. Agora, aos 33 anos, Chazelle promete voltar a chamar a atenção da Academia, no comando de O Primeiro Homem, obra que conta a história de Neil Armstrong em sua jornada para liderar a primeira expedição à Lua.

Escrito por Josh Singer (Oscar por Spotlight – Segredos Revelados) a partir do livro de James R. Hansen, o roteiro de O Primeiro Homem contorna com habilidade o principal obstáculo de narrar um acontecimento mundialmente famoso (que todos sabemos o final), ao deslocar o foco da narrativa para seu protagonista.

Com isso, a missão lunar transforma-se num elemento secundário, onde o importante não é seu resultado final, e sim como tudo foi conduzido. Ryan Gosling (estrela de La La Land) constrói Neil Armstrong como uma figura amargurada em função de um trauma do passado, e merece elogios por investir numa composição centrada, mas que não o impede de flertar com a descontração nos momentos em que o astronauta toma uma cerveja com os colegas de profissão, por exemplo.

Nesse sentido, Gosling é especialmente eficaz não só ao manter o equilíbrio entre a leveza e a densidade, como ao jamais deixar de ressaltar o modo sereno com que Neil encara seus problemas e que essa tranquilidade não seja (mal) interpretada como inexpressividade.

Igualmente eficaz é o design de som da produção, que oferece uma experiência imersiva semelhante ao magnífico Gravidade, explorando o silêncio com inteligência e adotando um tom realista que praticamente coloca o espectador dentro das espaçonaves vistas na tela, num trabalho sonoro que dificilmente passará batido na próxima temporada de premiações. 

A movimentação da câmera também é outro elemento técnico que potencializa a imersão, com o diretor de fotografia Linus Sandgren (Oscar por La La Land) valorizando o ótimo design de produção de Nathan Crowley (Dunkirk), ao permitir que contemplemos o interior dos cockpits e a infinidade de botões e luzes piscando. Além disso, Sandgren toma a acertada decisão de colocar a câmera para acompanhar a trepidação das cápsulas (como se a lente estivesse fixada na fuselagem), o que provoca um efeito ainda mais verossímil.

E essa câmera nervosa segue o padrão do restante da narrativa, que adota quadros quase sempre fechados e com personagens ocupando o canto da tela, criando uma sensação palpável de claustrofobia que remete imediatamente à persona de Armstrong, um sujeito sufocado por seus demônios internos e que vê no isolamento uma válvula de escape por instinto.  O que não explica a insistência em óbvios planos onde o vemos contemplando o céu ou observando a Lua com instrumentos.

Por falar em instrumentos, o compositor norte-americano Justin Hurwitz, que já havia presenteado o Cinema com a inesquecível trilha sonora de La La Land, apresenta seu trabalho mais multifacetado, transitando entre faixas melancólicas (como o tema que permeia a solidão de Armstrong) e verdadeiras marchas, que mantém o compasso da trama. Também se relacionando com a mente de Armstrong, Hurwitz traduz o pensamento de Armstrong em melodias poderosas e que devem acompanhar o espectador mesmo após as luzes se acenderem. Aliás, eis uma trilha sonora que merece todo o reconhecimento da temporada.

Por fim, Damien Chazelle mantém o alto nível visto em La La Land, o que comprova não apenas sua competência como cineasta, mas também a maturidade de alguém que soube lidar com a pressão. Chazelle é inteligente o bastante para perceber que não há espaço para floreios estéticos, adotando uma abordagem intimista que explora os close ups para buscar o olhar de cada personagem, demonstrando uma disciplina estética de fazer inveja.

Claudicante em lidar com os conflitos interpessoais de seu protagonista, a produção não inspira confiança ao mostrar a reação deste diante das adversidades que se apresentam. Explora-se pouco, por exemplo, do fato de Neil participar de uma missão que tantas vidas ceifou. Vidas de amigos, diga-se de passagem. Um diálogo sobre o “custo” da expedição não basta para alguém tão acostumado a velórios e com uma família tão temerosa quanto ao seu destino. Aqui, a frieza velada de Armstrong afasta o público de um envolvimento emocional mais engajado.

Isso talvez impeça O Primeiro Homem de se colocar no panteão das obras espaciais realistas, mas não anula suas chances de figurar entre os melhores filmes do ano. Um feito que Damien Chazelle já provou ser possível. Duas vezes.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...