Fui assistir o bom Morto não Fala do cineasta gaúcho Denisson Ramalho e para minha surpresa, antes do filme, foi exibido o trailer de mais um terror nacional, O Juízo. Com roteiro de Fernanda Torres, direção do irregular mas competente Andrucha Waddington (Eu Tu Eles e Os Penetras) e com a participação especial da Primeira Dama do Teatro, Fernanda Montenegro e Lima Duarte, o trailer prometia mais um filme bacana do gênero.
Só que, por mais bizarro que pareça, fiquei com a impressão de que o casal Torres/Waddington nunca assistiram um filme de terror, com exceção talvez de O Iluminado, o qual parece ser referência para algumas ideias do roteiro.
O filme começa no final do século XIX, com Couraça (o cantor Criolo), um escravo liberto e sua filha Ana (Kênia Barbara) pedindo abrigo em uma fazenda e sendo mortos pelo proprietário quando ele descobre que o escravo está de posse de pedras de diamante que achou em algum ponto do rio. Já no presente, o endividado Augusto (Felipe Camargo) recebe de herança a mesma fazenda, agora abandonada, e muda-se para lá com a sua esposa Tereza (Carol Castro) e o filho Marinho (o ainda verde Joaquim Torres Waddington, que está no filme por puro talento e meritocracia e não por ser filho da dupla famosa). Montenegro é a médium Marta e Duarte seu marido, o ourives Costa Breves.
Bem, como dizia, a roteirista e o diretor parecem não ser muito familiarizados com o gênero e isso causa cenas estranhas como quando a médium Marta e a mãe Tereza estão conversando e Marta vê Marinho aparecer acompanhado de um fantasma. E quando Tereza olha para o local para onde Marta está olhando, onde o espectador espera ver apenas Marinho pelo olhar da mãe, o diretor opta por tirar tanto Marinho, que está vivo, quanto o fantasma de cena. E assim, Tereza olha para um ponto onde não tem ninguém. Em outro momento Marinho é picado por algo (pela picada, supostamente um escorpião), grita e cai imediatamente em uma escada.
Os pais o acodem, Marinho passa mal e precisa ser carregado por ambos. Tereza diz para irem para o hospital, mas Augusto diz que é bobagem levar o rapaz para o hospital por causa de picada de inseto. Claro, porque quando a pessoa está caída em uma escada por causa de uma picada, certamente é frescura… Ao mesmo tempo, a picada sendo na mão, é um pouco estranho que o veneno aja tão rapidamente e o rapaz não consiga andar segundos após a picada, mas logo em seguida ele já está sentado na cama e conversando normalmente como se nada tivesse acontecido. Um pouco esquisito, mas a coisa piora, pois logo em seguida, o rapaz está novamente febril e passando mal.
Aparentemente Torres também não pesquisou como agem venenos de escorpiões. Incomoda também o fato de Carol Castro passar apagada a maior parte do tempo e 1/3 de suas falas serem apenas reclamações ou ficar gritando pelo filho e o marido. Em uma outra cena que me pareceu bizarramente machista em um filme escrito por uma mulher é quando Augusto dá de presente um anel de diamante para Tereza dizendo que ia vendê-lo para pagar as dívidas, mas que preferiu guardar para dar para ela. Tereza diz que ele fez bem e nesse momento, beija o marido com intenções claramente sexuais. Sendo a relação deles durante todo o filme, sem paixão alguma, na hora isso me remeteu a um comercial da joalheira Masson de Porto Alegre dos anos 80, que mostrava um homem dando uma joia para uma mulher que, então, se entregava à ele, em uma mensagem clara de que para conseguir transar com uma mulher, bastava lhe dar uma joia.
Além dessa miscelânea de cenas bobas, o filme tem diversos outros momentos com diálogos constrangedores e cenas sem muito sentido e apesar de Felipe Camargo, Montenegro e Duarte estarem bem em seus papeis, a direção obter bons enquadramentos com a fotografia sombria de Azul Serra, o filme não decola e patina a maior parte do tempo, mesmo com uma pequena sacada decente junto a um final burro (não achei palavra melhor) sem conseguir emular nem sequer 1/3 da ótima atmosfera mórbida de Morto Não Fala, esse sim, um bom exemplo de como se fazer um terror nacional de qualidade.
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