Desde que viu sua carreira decolar, o cineasta britânico Guy Ritchie notabilizou-se por produções que se destacavam por sofisticados movimentos de câmera, pela atmosfera e pela montagem frenética, vez ou outra pontuando-as com o bom humor típico da terra da rainha. E uma de suas mais famosas marcas registradas é colocar personagens conversando (normalmente contando uma história) e “dramatizar” o que está sendo falado através de cortes rápidos e diálogos mais rápidos ainda, resultando em cenas tensas, divertidas, ou ambas.
Dito isso, não é nenhuma surpresa que Rei Arthur – A Lenda da Espada possua uma sequência que se encaixa exatamente nos padrões supracitados, gerando um dos momentos mais espirituosos da produção e mostrando também que as tais marcas registradas tornaram-se uma espécie de clichê da filmografia de Ritchie.
Isso seria um problema caso não funcionasse, e é justamente por funcionar que o cineasta britânico continua tendo liberdade para dirigir filmes de grande orçamento sem maiores interferências por parte dos produtores.
Escrito pelo próprio Ritchie ao lado de seu parceiro habitual Lionel Wigram (com quem trabalhou no divertido O Agente da U.N.C.L.E.), o roteiro conta a famosa história de Arthur, que antes de se tornar rei, passou por uma infância conturbada e teve de superar problemas familiares, mas o que torna esta abordagem interessante (além do olhar sagaz de Guy Ritchie) é acompanhar como a célebre espada Excalibur está relacionada à família do rapaz.
Talvez o maior acerto de Ritchie seja conseguir conciliar o estilo cosmopolita que marcou seus primeiros filmes ao tradicional subgênero medieval, tratando o clássico com reverência, mas sem perder seu estilo de vista. Sendo assim, a troca de sua amada Londres pela lendária Camelot é feita com naturalidade, dando aos fãs de Snatch e até mesmo de Sherlock Holmes, uma confortável sensação de familiaridade
Infelizmente, porém a produção acaba exibindo uma perigosa falta de foco, investindo numa série de elementos sem um objetivo aparente, o que fica patente, por exemplo, no deslocado tom fantástico que Ritchie pesa a mão ao trabalhar, num exagero que prejudica a experiência do espectador. Além disso, o filme apresenta os mesmos problemas de ritmo que vêm assombrando o cineasta desde o primeiro Sherlock Holmes.
E ainda que o roteiro não desenvolva seus personagens bem o bastante para que nos importemos com eles, ao menos Charlie Hunnam (tão inexpressivo no bom Círculo de Fogo) surge carismático e divertido como Arthur, mostrando uma evolução que, se não acontecesse, certamente afundaria este novo projeto.
Já o ótimo Jude Law (o Watson de Sherlock Holmes), dribla o roteiro raso para fazer de seu Vortigern um homem cujo calculismo o faz cometer atos hediondos, mas justificados pela sua lógica deturpada e focada apenas no desejo pelo poder. Do elenco secundário, Eric Bana (do razoável Livrai-nos do Mal) aproveita o pouco tempo de tela para conferir integridade e bravura ao pai de Arthur.
Os demais coadjuvantes esbarram em composições pouco ricas e que sofrem para conquistar nossa simpatia, fazendo o filme tropeçar pontualmente nos momentos que pedem o envolvimento do público para sentir a dor de personagens que não fazem jus ao esforço, como num incidente que acontece durante o terceiro ato.
Felizmente, Guy Ritchie mostra inteligência ao perceber que o roteiro sozinho não seguraria a produção, e mostra toda a capacidade que o colocou entre os cineastas mais criativos da atualidade.
Usufruindo de efeitos visuais espetaculares, o diretor, com o auxílio do montador John Herbert (seu colaborador de longa data), constrói algumas das mais emblemáticas sequências de ação de sua carreira, elevando o consagrado (e batido) duelo de espadas a um novo patamar, como na cena sensacional em que Arthur enfrenta uma tropa durante o terceiro ato: combinando engenhosos movimentos de câmera a uma boa coreografia de luta, a montagem dá um show ao mostrar um verdadeiro espetáculo de golpes sem sacrificar a lógica espacial ou confundir o espectador.
Aliás, por falar em lógica espacial, a produção merece aplausos por suas cenas de perseguição que, graças a tomadas aéreas, em nenhum momento se entregam ao caos tão comum em Hollywood hoje em dia.
Usando o humor para evitar um indesejado clima sisudo ou solene demais, os roteiristas apostam na descontração para criarem um clima descompromissado e que permite até mesmo brincadeiras envolvendo a criação da távola redonda, num esforço claro de impedir que a trama se leve a sério, sem precisar entregar-se ao besteirol artificial que tem contaminado os blockbusters recentes.
Pecando eventualmente no excesso de computação gráfica, o longa-metragem também conta com mais uma trilha sonora inspirada do competente compositor Daniel Pemberton que, se em alguns instantes parece determinado a ensurdecer o espectador, em todos demonstra o mesmo talento visto (ou ouvido) em O Agente da U.N.C.L.E. e Steve Jobs), ajudando a fazer de Rei Arthur – A Lenda da Espada, uma experiência que, apesar de irregularidades, tem energia o bastante para prender a atenção de quem estiver disposto a acompanhar mais uma vez a velha história da “espada na pedra”.
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