Desde que o cineasta Gore Verbinski anunciou sua saída da franquia Piratas do Caribe, confesso ter ficado preocupado com o futuro da série.
Afinal, Verbinski é um dos maiores responsáveis pelo gigantesco sucesso alcançado pela série, ao lado, evidentemente, do ator Johnny Depp, cuja corajosa atuação como o impagável Capitão Jack Sparrow, não só lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar, como desafiou os padrões estabelecidos pela Disney.
E mesmo que Verbinski não tenha conseguido manter o nível de qualidade do primeiro filme, nada se compara ao decepcionante quarto filme, quando a Disney tentou continuar a franquia apostando no fraco Rob Marshall como novo diretor. Porém, mais triste do que constatar que Piratas do Caribe se perdeu com a saída de Gore Verbinski, é ver que os produtores parecem se recusar a admitir isso, forçando uma continuidade, que só diminui o brilho de uma marca que já foi sinônimo de diversão de qualidade.
Dono de uma carreira irregular (escreveu o ótimo O Terminal, mas também “cometeu” o abominável Velocidade Máxima 2), o roteirista Jeff Nathanson ignora alguns bons elementos de Navegando em Águas Misteriosas (detalharei mais adiante) e outros simplesmente resolve desconsiderar. A ideia, aparentemente, era que a nova trama tivesse ligações com a do primeiro filme, permitindo assim inúmeras referências, que vão desde acordes específicos da trilha sonora até situações e diálogos.
Alguém achou que seria interessante encerrar a série amarrando a história iniciada pelo primeiro filme (nós, claro, fingimos que acreditamos que tudo está conectado e que nada está lá apenas para apelar à memória afetiva do espectador). Aliás, vamos aproveitar e fingir também que não sabemos que a Disney fará outro filme caso este lucre o bastante.
Investindo numa descartável subtrama romântica, Nathanson tenta resgatar a dinâmica do primeiro filme, mas mesmo que Brenton Thwaites (do bom O Doador de Memórias) e Kaya Scodelario (do regular Maze Runner: Prova de Fogo) se esforcem, a verdade é que ambos estão distantes de Orlando Bloom e Keira Knightley, sofrendo com as comparações. E ainda que estejam ainda mais longe do insuportável casal de Navegando em Águas Misteriosas, sempre desejamos que não demore até que Jack Sparrow entre em cena.
E por falar em Sparrow, Johnny Depp já está tão acostumado ao papel do ébrio pirata, que mesmo atuando no piloto automático ainda é capaz de arrancar algumas gargalhadas, com sua já clássica caracterização. Já o Capitão Barbossa do veterano Geofrrey Rush, agora atuando de forma “legalizada”, sofre pequenas, mas significativas mudanças, como a caracterização mais limpa (note que até seus olhos parecem ter mudado de cor) e sua dinâmica com Jack Sparrow, provocando certo desapontamento pela decisão de Nathanson em abandonar a boa faceta apresentada no filme anterior, quando o experiente comandante mostrava os sinais do envelhecimento através de um hobbie bem peculiar.
Especialista em vilões, o grande Javier Bardem faz o que pode com seu Capitão Salazar, mas a maquiagem pesada e a caracterização excessiva prejudicam os bons esforços do espanhol.
É um alívio, em contrapartida, que o filme não seja presunçoso, um mérito dos novos diretores Joachim Rønning e Espen Sandberg (do excelente Kon Tiki, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro), que jamais perdem o controle da narrativa, pelo contrário, conseguem mantê-la sempre o mais simples possível, uma decisão acertada, visto que a produção realmente não tem muito a oferecer além do mais puro e singelo entretenimento escapista. Dessa forma, não é possível criticá-lo pela pretensão de ser algo maior do que realmente é (e não me surpreenderei caso A Vingança de Salazar seja exibido numa futura Sessão da Tarde). Com isso, o maior acerto da dupla norueguesa é fazer deste quinto filme o mais breve e direto de todos.
Tecnicamente, porém, Piratas do Caribe 5 é irretocável, exibindo os ótimos efeitos visuais que já se tornaram marca registrada (e renderam um Oscar a O Baú da Morte), com destaque para a boa seqüência que acontece no terceiro ato e que reinventa um certo episódio envolvendo o Mar Vemelho. Paralelo a isso, a idéia de rejuvenescer Jack Sparrow não é tão espetacular quanto parecia, apequenando-se diante de acertos anteriores como os vistos em Homem-Formiga (com Michael Douglas) e o recente (e imperdível) Guardiões da Galáxia Vol. 2 (com Kurt Russell).
E se os efeitos visuais continuam excepcionais, o mesmo não pode ser dito da trilha sonora, que sofreu um baque considerável já que o compositor Geoff Zanelli parece ter sentido a pressão de substituir o mestre Hans Zimmer. Aparentemente inseguro, Zanelli limita-se a repetir a música-tema à exaustão, uma atitude até compreensível dado o desconforto de sua situação. Com pouquíssimas variações, a música só recupera sua glória quando finalmente é tocada em sua versão original.
Por fim, depois de vários flertes ao longo dos capítulos anteriores, a série finalmente entrega-se ao humor infantil, construindo gags que só merecem o elogio de evitarem a escatologia.
E já que mencionei o caráter infantil da produção, é quase possível imaginar alguém da Disney piscando quando um personagem faz uma referência ao clássico A Bela e a Fera (atente para a semelhança entre “Salazar” e “Samovar”).
Portanto, ainda que este quinto filme possua sua (pequena) parcela de bons momentos (e supere o fraco quarto filme), é duro ter que admitir que a boa fórmula da franquia esteja claramente desgastada e contentar-se com um mero e errático passatempo seria tão grave quanto ignorar o impacto de A Maldição do Pérola Negra. Ou pior, negar o abismo de qualidade que separa A Vingança de Salazar da trilogia inicial.
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