Levada pela quarta vez ao Cinema, a clássica história de William A. Wellman carrega uma atemporalidade que faz com que cada adaptação funcione a seu próprio modo. Se nas duas primeiras versões a trama é ambientada em Hollywood, Nasce uma Estrelacabe à terceira interpretação a incursão mais próxima desta estreia de Bradley Cooper na direção: o mundo da música. Assim como na produção de 1977 estrelada por Barbra Streisand e Kris Kristofferson, a nova versão de Nasce uma Estrela traz Lady Gaga e Bradley Cooper como os imortais protagonistas de um conto cuja repetição parece não ter fim.

Talvez por refletir a realidade, onde uma pessoa de origem humilde consegue atingir o estrelato e conquistar fama internacional através de um talento raro. Essa, aliás, é a trajetória da própria Lady Gaga, que parece ter sido forjada para o papel de Ally, uma jovem humilde que se divide entre o trabalho diurno em um restaurante e as glamourosas noites em que canta num bar. É nesse cenário que ela acaba conhecendo Jackson Maine, astro da rock que entre uma dose e outra é surpreendido com uma performance arrebatadora da moça.

O restante da história, todos nós já sabemos: eles irão se apaixonar e Jackson vai dar o impulso que ela tanto precisa para conquistar a indústria da Música, mas ele deverá lutar contra o alcoolismo para manter a amada. Pronto, está montado o circo. O maior acerto da produção, porém, é não tentar se diferenciar muito da trama clássica. Pois o roteiro de Eric Roth, Will Fetters e do próprio Bradley Cooper não tem vergonha de se assumir como um remake.

Essa postura alivia a pressão e deixa todos os holofotes para os astros da companhia; afinal de contas, Nasce uma Estrela é, essencialmente, Bradley Cooper e Lady Gaga. O casal formado pelo ator três vezes indicado ao Oscar e a cantora vencedora do Grammy é a chave para o sucesso dessa empreitada. Não só pela química inegável, mas também pelo talento e a admirável entrega em cena, que evidenciam profissionais em papéis que se confundem, seja por Cooper exibir um surpreendente talento vocal logo na primeira cena, ou, no caso de Gaga, pela presença marcante transportada diretamente dos palcos para as telas.

Cooper mergulha de corpo e alma na persona de Maine, investindo num curioso tom de voz que lembra muito aquele utilizado na dublagem do guaxinim Rocket, de Guardiões da Galáxia, mas com um sotaque carregado que serve para mascarar um sujeito carinhoso e de olhar gentil. O ator norte-americano também não nega fogo nas sequências dramáticas, ilustrando a constante embriaguez de Maine e seu vício em drogas sem descambar para o exagero, logrando êxito principalmente em sua cena-chave envolvendo uma premiação.

Lady Gaga vai pelo mesmo caminho, beneficiando-se de uma caracterização que a despe dos habituais exageros de maquiagem e figurino para criar uma figura autêntica. Se não chega a voar tão longe como seu experiente colega de cena, jamais deixa de convencer, trazendo uma simplicidade ao papel que imediatamente mostra ao espectador os motivos que levaram Maine a essa paixão tão efervescente.

Paixão esta que, embora represente a âncora da narrativa, acaba cegando Nasce uma Estrela para seus próprios conflitos. Talvez a inexperiência como diretor tenha impedido Cooper de perceber que ao se aproximar demais de seus protagonistas, acabou isolando-os, como se Ally e Jack vivessem numa redoma onde nenhum conflito é capaz de penetrar. Há, sim, obstáculos na jornada dos dois, mas as soluções se alternam entre a superficialidade, a indecisão e o descaso. Num momento é claramente lançado um subtexto onde Jack questiona as intenções artísticas de Ally, como se as letras da cantora já não carregassem mais o peso de outrora, numa sequência onde até o atual cenário da música pop é alfinetado. Por outro lado, a solução oferecida pelo script escancara que tal comentário foi construído apenas para alimentar o romance do casal.

Outros conflitos, como o passado de Jack e seu irmão mais velho (vivido com intensidade por Sam Elliott) soam insatisfatórios, chegando ao ápice no supracitado incidente durante o Grammy, onde as consequências jamais são sentidas, visto que a resolução é resumida num simples diálogo onde até mesmo Ally se recusa a dar explicações, numa representação fiel da covardia do roteiro.

Em contrapartida, Nasce uma Estrela muda completamente sempre que apresenta suas sequências musicais. Destaque da narrativa, os shows de Jackson Maine e Ally são capturados com crueza por Cooper e sua equipe, que optam por uma abordagem mais visceral e realista, captando toda a energia desse tipo de evento e transmitindo ao público com intensidade reforçada pelo movimento quase incessante do quadro.

As canções, vale destacar, são excelentes não apenas pela qualidade latente, mas também por servirem como uma forma de ilustrar as inquietações de seus intérpretes. Jackson, por exemplo, investe em letras que remetem a seu passado, ao passo que as melodias dançantes, principalmente em “Alibi”, refletem a qualidade de seu trabalho e justificam seu sucesso junto ao grande público. Ao oferecer a oportunidade perfeita para Lady Gaga esbanjar todo o seu alcance vocal, é “Shallows” que termina por eclipsar todas as outras (ótimas) faixas, valorizando os berros marcantes de Gaga enquanto oferece uma sonoridade que facilmente encabeçará as paradas do mundo todo. E não ficarei surpreso se chegar também ao Oscar.

Enquanto isso, o diretor de fotografia Matthew Libatique repete a estrutura de seu trabalho com Darren Aronofsky ao empregar a estética da câmera na mão, sempre em movimento, de Cisne Negro (que lhe rendeu uma merecida indicação ao Oscar) para acompanhar seus personagens, enfatizando o mote intimista da produção.

Pois Nasce uma Estrela é isso, uma versão mais intimista de um conto atemporal, onde o romance arrebatador do casal protagonista acaba monopolizando todos os holofotes. Para o bem, servirá como fonte de muitas lágrimas e adoração dos espectadores mais românticos. Para o mal, deixará uma pitada de insatisfação pelas inúmeras pontas soltas espalhadas pela trama. Felizmente, para cada um sempre há um vibrante número musical.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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