pedra textoO som irritante do despertador do celular parecia não incomodar Talita, mas, após 5 minutos tocando, seu cérebro recebeu o recado e iniciou os serviços daquele dia. A jovem começou o processo primeiramente sentando na cama. Em seguida, esticou os braços para o alto alongando-se, e tentou, sem sucesso, arrumar seus lindos cabelos ruivos – que naquele momento não estavam tão lindos assim – e esfregou os olhos. Talita era uma moça muito bonita, que chamava atenção de todos, não só por causa de seus cabelos naturalmente ruivos, seus olhos azuis puxados para um tom acinzentado, seu corpo perfeito e pele bronzeada, mas pelo seu bom humor e simpatia. Dificilmente você não gostaria dela. Ela tinha o dom para fazer amizades.

Talita enfim levantou, tomou um banho demorado e foi preparar seu café da manhã. Ela morava sozinha desde os 18 anos, quando mudou de cidade para estudar jornalismo – profissão que exerce há três anos. O trabalho como colunista do jornal local ocupava praticamente todos os dias da jovem, exceto as noites de sábado e os domingos.

Enquanto preparava um café reforçado, afinal a noite anterior fora proveitosa, ela assistia ao programa matinal de domingo cujo assunto era carros. Sentada na banqueta de sua cozinha americana, Talita percebeu que o vidro da sala estava quebrado, provavelmente por causa de algo atirado de fora para dentro. Ela deixou sua caneca sobre a bancada, mordeu um pedaço de pão e, ainda mastigando, foi para a sala. Engatinhando, ela olhava embaixo do rack da TV, a provável direção tomada pelo objeto arremessado, quando viu uma pedra. Esticou o braço e a pegou. Era uma pedra cinza e lisa, mas com um formato indefinido. Havia várias faces e numa delas estava escrito, como se tivesse sido gravada na pedra, a frase “Chegou sua hora”.

Naquele instante seu coração disparou. Como jornalista, ela conhecia várias histórias contadas na cidade, e uma delas tratava de mortes sem explicação de pessoas que tiveram a casa atingida por uma pedra. Ela nunca deu importância a essas histórias, afinal sua especialidade era automobilismo esportivo e não reportagens policiais. De qualquer forma seu instinto foi levantar rapidamente, se arrumar e iniciar uma investigação, afinal todo repórter é um pouco detetive.

Ao sair de casa com seu carro, os boatos sobre os acontecimentos relacionados às mortes começaram a passar pela sua cabeça, e automaticamente ela diminuiu a velocidade e passou a prestar o dobro de atenção no trânsito. Seguia em direção à casa de sua amiga Francine – ambas estudaram na mesma turma da faculdade, sendo que Francine teve alguns problemas e somente se formou um ano após Talita. Ela sabia que sua amiga poderia lhe ajudar, pois a especialidade dela era reportagens sensacionalistas.

Talita chegou na casa de Francine e tocou o interfone, nesse instante lembrou que não tinha sequer avisado sua amiga que a visitaria, mas se tratava de uma emergência. Depois de contar toda a história para Francine e mostrar a pedra, ambas foram para o computador fazer algumas pesquisas sobre o assunto. Francine, então, falou:

– Eu venho investigando alguns casos de mortes sem explicação. Elas sempre acontecem com pessoas que tiveram suas casas atingidas por uma pedra, ou algo assim. As pedras nunca foram localizadas e as pessoas geralmente sofriam acidentes estranhos. Nunca houve um caso de homicídio. Em algumas ocorrências, as mortes foram consideradas suicídio, mas a dúvida sempre pairava no ar dessas histórias.

Talita nem se movia, estava somente ouvindo com muita atenção o que sua amiga dizia. E Francine prosseguiu com o discurso:

– Após investigar muito, conheci uma mulher que diz que essas pedras são arremessadas pela morte, e, quando isso acontece, não tem mais volta. Ela me explicou que o mensageiro da morte passa na casa da vítima e manda um recado, como se tivesse dando uma oportunidade para que a pessoa realize seus últimos desejos. O detalhe é que me parece que as pessoas ficavam tão desesperadas que sofriam algum acidente.

Nesse momento Talita estava com um semblante preocupado e triste, algo incomum naquele rosto tão bonito. Ela já não olhava mais para Francine, e sim para algum ponto atrás dela. Olhava para o infinito, como se tentasse ver o tal filme da vida que todos dizem que passa quando estamos perto de morrer. Francine entregou, então, o endereço de uma das pessoas entrevistadas por ela.

***

Talita saiu e foi ao endereço escrito no pequeno pedaço de papel, que ficava do outro lado da cidade. Com muito cuidado, ela dirigiu respeitando toda a sinalização e limites de velocidade, o que não era muito comum em se tratando dela.

Chegando ao endereço, ela viu uma casa velha, com um jardim abandonado e janelas que estranhamente não tinham vidros. Talita caminhou até porta e tocou a campainha. Nada. Então bateu na porta. Uma senhora que aparentava 70 anos de idade atendeu. Ela não pareceu surpresa com a presença da jovem e pediu que ela entrasse.

– Qual seu nome mocinha?

– Talita, e o s…

– O meu é Ofélia, por que está aqui? – respondeu com um ar de quem estava com pressa.

– Eu li uma entrevista sua sobre a lenda da pedra da morte. O que tem a me dizer?

– Que tem que se livrar o quanto antes dessa pedra que ainda deve estar com você.

– Como sabe disso?

– Se não fosse por isso, o que estaria fazendo desse lado da cidade? Eu tenho 74 anos e sei muitas coisas que você nem imagina. Preste atenção. Escolha uma casa e jogue essa pedra lá. Agora vá embora!

Talita foi expulsa aos empurrões da casa de Ofélia. Correu para o carro e começou a chorar. Ela não sabia o que fazer, não conseguia sequer ligar o carro. Olhou novamente para a casa e viu a velha fazendo um sinal de “vá embora” com as mãos. Ligou o carro e arrancou, ainda chorando. Pensou, então, que, se eram os últimos momentos da sua vida, iria passá-los sentindo muita adrenalina. Então acelerou seu possante carro e começou a costurar pelo trânsito. Sentia que a morte se aproximava e num ato de total insanidade passou um sinal vermelho em um movimentado cruzamento.

Ouviu buzinas e viu carros se chocando pelo retrovisor após passar o cruzamento sem sofrer um arranhão. Ela soltou um grito de “uhuu!”. Estava se divertindo, sorria e continuava gritando. Foi quando viu um grupo de jovens andando de bicicleta na rua. Ela desviou, mas a velocidade fez com que perdesse o controle. O carro rodou e parou na contra mão. Com o coração quase saltando pela boca, a jovem manobrou e estacionou o carro. O grupo de ciclistas estava parado e um deles perguntou se estava tudo bem. Ela somente assentiu com a cabeça. Eles seguiram o caminho. Talita desceu do carro e pegou a pedra na mão. Já era noite no céu acima dela, mas o crepúsculo ainda dava um leve sinal de vida no horizonte.

Segurando a pedra, ela se lembrou das palavras de Ofélia. “Será que se eu me livrar dessa pedra, a maldição cai em outra pessoa?”, ela pensou. Mas esse pensamento entrou em conflito, pois, se jogasse a pedra em outra casa, estaria cometendo um assassinato. Refletiu mais alguns minutos, entrou no carro e foi para casa. Após andar de carro por horas, ela parou em um bairro que mal conhecia. Ela sabia que ninguém ali a conhecia também. Nunca saberiam de nada. Ela não tinha ideia de onde estava e, sendo assim, qualquer história dali poderia nem chegar ao seu conhecimento. Parou em frente a uma casa – não se preocupou em saber o número ou algo assim, simplesmente escolheu aleatoriamente. Tinha que se livrar daquela pedra. A casa estava com todas as luzes apagadas o que daria tempo de correr, entrar no carro e fugir antes que a vissem. A rua estava deserta, seria agora ou nunca. Mas ela hesitou.

– E se a pessoa que mora aí tem uma família feliz? Se tiver um futuro promissor? Não posso acabar com isso. E se os filhos ou pais idosos precisam dessa pessoa? Não posso! Não consigo! – disse ela, como se estivesse falando com algo no céu.

O medo de morrer passou por ela. Talita começou a tremer, sentiu uma dor no peito e pensou que estava morrendo naquele momento. Sua saúde era impecável, ela sempre se cuidava. Não tinha como ter um “treco” ali e morrer. Mas, se existe algo que não podemos controlar na sua totalidade, esse algo é o medo. A pedra em sua mão esquentou e, quando ela olhou, a frase estava mudando. Não conseguiu ler, o texto estava embaçando. Ela fechou os olhos e atirou a pedra. Ouviu o som do vidro quebrando e rapidamente entrou no seu carro, arrancou enquanto gritava e chorava.

Ao chegar em casa, ainda chorava, tomou um banho e foi se deitar. Na manhã seguinte tudo parecia ter voltado ao normal exceto pelo fato de que tinha perdido a hora. Mas não apenas algumas horas de atraso, já era quase meio dia. Ela ligou para o escritório e disse que não estava passando bem e que passaria por lá durante a tarde. Talita levantou e foi direto para cozinha, já que não tinha se alimentado direito no dia anterior. Ligou a TV enquanto preparava algo para comer e ouviu a repórter do noticiário anunciando uma matéria.

– No próximo bloco, “casa pega fogo e rapaz morre ao tentar escapar”. Não perca também, “Senhora de 74 anos é encontrada morta no quintal de casa, a polícia acredita que foi suicídio”.

Talita sentiu um mal estar e foi para sala. Sentada no sofá lembrou que teria que mandar arrumar a janela da sua sala ao ver o vidro quebrado. Nesse momento sentiu um calafrio dos pés à cabeça, quando percebeu que havia um novo buraco na sua janela. Olhou embaixo do sofá e viu uma pedra. Era semelhante àquela que tinha atirado na casa que pegara fogo durante a madrugada, mas com uma diferença. Nessa pedra estava escrito: “Rua das Flores, 155 – 23h40”.

Ela sabia o que tinha que fazer.

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Professor por paixão. Analista de TI pela situação. Quando escrevo, me divirto. Adoro filmes e livros de terror (especialmente Stephen King). Amo viajar e sou louco por montanhas russas.

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