Lembro Mais dos Corvos

Confesso que não sei como começar esse texto. Assim como o filme faz, talvez seja melhor eu ter um papo aberto com você, leitor, assim como Julia Katharine faz no filme, conversando diretamente com o diretor Gustavo Vinagre e, indiretamente, com quem a assiste.

Quando chegou para mim essa Cabine de Imprensa e entrevista fui pesquisar sobre o que se tratava. Assumo que ao ler uma sinopse que dizia se tratar de “um documentário sobre uma mulher transexual com insônia” fiquei com o pé atrás.

Achei que seria um filme arrastado, pesado, cansativo. Mas o que vi não foi nada disso. É lógico que não se trata de um blockbuster, sua temática é densa e tensa em muitos trechos. Não dá para afirmar o que ali aconteceu realmente na vida de Julia e o que é ficção. Porém, sabemos que mesmo que não sendo uma verdade dela com certeza é a verdade na vida de alguma outra mulher trans.

Dessa forma, o que temos é um bate-papo com uma personagem extremamente carismática. Ainda que seja um monólogo onde apenas participamos mentalmente da conversa. O diretor, Gustavo Vinagre, faz rápidos comentários durante o filme, que diria ser mais um apoio ao diálogo de Julia com o telespectador do que uma conversa entra ambos.

Quanto a produção do filme. Para algumas pessoas seu estilo de filmagem e qualidade de som podem parecer “amador”. Mas é exatamente aqui que entra o complemento ao tema. Ainda que desagrade alguns, a crueza do estilo dialoga da melhor maneira possível com o roteiro. A história é crua e real, por quê não seria sua produção? Em alguns momentos podem incomodar certos cortes secos de cena, porém se faz necessário para um respiro na história.

O longa participou de alguns festivais de cinema, entre eles a Mostra de Tiradentes onde Julia Katharine levou o troféu Helena Ignez de destaque feminino. Ah! E não levante da cadeira assim que subir os créditos, logo em seguida começa o curta Tea For Two, dirigido e roteirizado por Julia.

Por fim, acredito que ter ido assistir ao filme um pouco receosa foi o melhor que me aconteceu, pois tive uma bela surpresa. A empatia por Julia Katherine e a acolhida em sua casa imediatas. Para entender melhor esse sentimento veja a entrevista concedida por diretor e atriz ao Central42 e a importância desse filme.


Tea For Two

Silvia está em crise, em todos os campos de sua vida. Tudo é virado do avesso quando sua ex-esposa reaparece querendo retomar o relacionamento. Ao mesmo tempo, ela conhece outra mulher que a fascina.

São apenas 25 minutos, mas intensos. Tempo o suficiente para absorver a carga emocional desse relacionamento rompido, dos preconceitos diários que uma mulher trans sofre, da retomada de uma vida que não andava.

Além disso os enquadramentos são muito bonitos e as cores do filme são vibrantes. Isso coloca a emoção também na imagem (o que me lembrou um pouco Almodóvar).

Igualmente peço atenção para a última cena os detalhes sutis que trazem o desfecho necessário à história. A parte ruim? Acaba rápido demais.

Author

Fotógrafa, publicitária, traça de livros e apaixonada por cinema.

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