Não é de hoje que Hollywood investe em filmes estrelados por criaturas de proporções colossais. O próprio “astro” de Kong – A Ilha da Caveira, por exemplo, ganhou seu primeiro longa-metragem em 1933, quando a tecnologia do Stop-Motion foi capaz de criar uma das cenas mais icônicas do Cinema, ao apresentar o gorila gigante no topo do Empire State se defendendo de aviões.
Logo após retornar em 1976, numa produção dirigida por John Guillermin (do ótimo Inferno na Torre), o símio ainda apareceria em 1986, antes de afastar-se das telas por quase 30 anos, quando Peter Jackson (da trilogia O Senhor dos Anéis) resolveu fazer um remake com mais de 3 horas de duração e que apresentava King Kong numa versão, que se destacou ao escancarar a evolução da computação gráfica, que permitiu um grau assustador de realismo. Contudo, a franquia nunca se mostrou tão descontraída e descompromissada como neste A Ilha da Caveira.
Deixando de lado a solenidade de Peter Jackson, no filme de 2005, e sem ter a mesma pretensão do clássico de 1933, Jordan Vogt-Roberts (em seu segundo longa-metragem) adota uma estilosa abordagem, que muitas vezes lhe permite ecoar a estética dos filmes e animes japoneses, como ao mostrar uma explosão através do reflexo nos óculos de um piloto em primeiro plano e nos numerosos zooms dramáticos, que aqui são acompanhados pelo ângulo holandês (plano inclinado).
Fazendo referências a inúmeras outras produções como O Franco Atirador (um militar que usa uma faixa vermelha) e Apocalypse Now (numa belíssima tomada que exibe Kong em contraluz e com o Sol ao fundo), Vogt-Roberts também não se furta em abraçar o cartunesco, se divertindo ao apresentar os protagonistas em situações pouco convencionais, por exemplo. E talvez essa seja sua maior virtude, já que Kong – A Ilha da Caveira jamais se leva a sério.
Esse tom também é refletido no roteiro escrito pelo trio Dan Gilroy (O Abutre), Max Borenstein (Godzilla) e Derek Connoly (Jurassic World), cuja irreverência acaba contagiando os diálogos e contribuindo para uma trama leve e descontraída.
Já os personagens são meros estereótipos (o cientista de óculos é o mais batido dos exemplos), mas servem bem à trama, que em nenhum momento procura se desviar de seu real propósito: mostrar humanos contra monstros. E isso já distancia esta versão de todas as outras, visto que nem mesmo a famosa paixão de Kong pela mocinha ganha espaço.
Encarnando com perfeição o tipo “aventureiro durão”, Tom Hiddleston (o eterno Loki) aparenta se divertir a valer, sem jamais deixar de convencer como o herói James Conrad, que mais parece ter saído da década de 80, enquanto Brie Larson (“oscarizada” por O Quarto de Jack) tem a oportunidade de interpretar uma mocinha que passa longe de ser indefesa.
Já John Goodman (de Rua Cloverfield, 10) surge confortável na pele do ambíguo Bill Randa, que não vê limites para provar a existência de monstros.
Continuando a galeria de arquétipos, Samuel L. Jackson (que dispensa apresentações) vive o típico veterano de guerra que, cego pelas cicatrizes da batalha, procura um alvo para extravasar suas frustrações com a Guerra do Vietnã (“Não perdemos a guerra, apenas a abandonamos”, diz em certo instante). Aliás, é curioso que o personagem mais “republicano” do filme seja exatamente aquele que se entrega à completa caricatura, já que seus argumentos inflamados e radicais contrastam e muito com a proposta do filme, evidenciando um discurso político que surge de sopetão no meio de uma narrativa que não dava indícios para tal.
Completando o elenco principal, John C. Reilly (o Rhomann Dey de Guardiões da Galáxia) funciona como um legítimo alívio cômico, conferindo uma espirituosa personalidade sarcástica ao seu Hank Marlow.
E por falar em alívio cômico, o humor, ainda que acerte em cheio em vários momentos (o raccord que envolve uma vítima de Kong e um sanduíche é uma ótima sacada), também corresponde a vários instantes em que fica claro o esforço de provocar o riso (as cenas envolvendo Marlow e os nativos da ilha).
Além disso, o filme emprega um tolo recurso para humanizar o soldado vivido por Toby Kebbel (o Dr. Destino do novo Quarteto Fantástico), o que resulta em mais um momento carente de inspiração. Para piorar, os roteiristas ainda se atrapalham ao mostrarem Marlow (que não tem noção de tempo) explicando que está na ilha “há 28 anos”.
Por outro lado, a fotografia de Larry Fong (de Batman VS. Superman) é de uma beleza estonteante, construindo planos elegantes e funcionais que exploram ao máximo a forte saturação das cores, aproveitando os tons quentes, mas também surpreendendo plasticamente, como na seqüência de ação em que Conrad luta num cenário tomado por um gás verde.
Outro ponto positivo é a trilha sonora assinada por Henry Jackman, um compositor que ainda não obteve o reconhecimento que merece, justamente por atuar num segmento que freqüentemente é subestimado.
Falando em trilha sonora, Kong – A Ilha da Caveira, assim como Guardiões da Galáxia, é o tipo de produção que escolhe a dedo suas canções. Sendo assim, o Rock Clássico foi a opção correta para embalar a narrativa, que acaba se servindo de nomes como Black Sabbath e David Bowie para enfatizar a atmosfera descontraída.
Entretanto, seria impossível escrever sobre um filme de Kong sem tecer comentários sobre ele, e não é nenhuma surpresa constatar mais um belíssimo trabalho da Industrial Light & Magic que transforma o gorila num show à parte. Expressivo e com movimentação espantosamente fluida, Kong é um triunfo técnico, mas não o único, já que a produção também pode se orgulhar das várias criaturas que povoam a ilha e que exalam criatividade.
Dito isso, Kong – A Ilha da Caveira tropeça uma última vez ao fechar a narrativa com uma descartável sequência, que não mencionarei para evitar spoilers, mas que não compromete a divertida, empolgante e satisfatória experiência oferecida pelo filme.
E não perca a cena pós-créditos.
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