O universo dos filmes de ação é famoso por obras que costumam desafiar os limites da suspensão de descrença. Mesmo assim, Duro de Matar 4.0, por exemplo, soube usar brilhantemente seus absurdos para oferecer uma experiência divertidíssima, assim como a franquia Missão: Impossível, o subestimado Mandando Bala e tantos outros. Hotel Artemis, no entanto, falha copiosamente nesse quesito, mesclando gêneros sem o respaldo de um roteiro minimamente coerente.
Estreia do roteirista Drew Pearce (Homem de Ferro 3) na direção de longas-metragens, a produção é situada no ano de 2028 e acompanha a misteriosa Enfermeira (Jodie Foster) em sua rotina como administradora do tal Hotel Artemis, um estabelecimento mítico que serve como um hospital para criminosos e opera sob rígidas regras.
Em mais um dia conturbado numa Los Angeles tomada pela maior rebelião de sua história em virtude da escassez de água, um grupo de criminosos liderado por Waikiki (Sterling K. Brown) e seu irmão Honolulu (Brian Tyree Henry) aproveita o caos para assaltar um banco, mas algo dá errado e este último acaba baleado. E é nesse momento que a jornada dos irmãos se cruzará com a da Enfermeira.
Amaldiçoado pela autoria do caótico script de Homem de Ferro 3, Drew Pearce parece não ter evoluído muito desde então. Construindo uma estrutura que o obriga a introduzir personagens importantes até mesmo no terceiro ato, Pearce peca ao ser incapaz de convencer o espectador da aura lendária que os personagens insistem em atribuir ao tal Hotel Artemis, contrariando a máxima do Cinema que diz “não conte, mostre”.
Além disso, o diretor/roteirista demonstra uma confusão preocupante, ao soltar informações que não demoram muito até serem contraditas, como no instante em que uma parede é esmigalhada por machados e picaretas mesmo depois de alguém garantir que isso seria impossível, já que o Artemis havia sido construído com uma liga de cromo e fibra de carbono.
Piorando a situação, Pearce cria situações, no mínimo, implausíveis seja na situação-chave que envolve um assassinato no terceiro ato, ou na sequência de ação em que um homem com um machado enfrenta uma multidão de bandidos armados e nenhum tiro é sequer disparado, algo que se repete com Nice (Sofia Boutella) enfrentando vários dos mesmos inimigos utilizando apenas um objeto cortante.
Tudo isso, vale ressaltar, em prol de alguns momentos que, ao invés de destacarem-se pela coreografia ou pela montagem, revelam-se apenas banais, utilizando conceitos semelhantes aos empregados nas lutas da Viúva Negra da Marvel ou do Demolidor da série homônima da Netflix.
E por falar nas cenas de ação, Hotel Artemis é sabotado por envolver somente personagens altamente treinados, o que dificulta seus esforços na elaboração de sequências à altura de suas habilidades, corroborando a falha inicial do roteiro no que diz respeito ao pedestal em que o Hotel e seus personagens se encontram. O elenco, por sua vez, não fica atrás, a começar por Jodie Foster que, como a Enfermeira, investe numa composição caricatural cuja principal característica não diz respeito à sua atuação, e sim ao trabalho de maquiagem responsável por transformá-la numa idosa.
Aliás, Foster falha ao não se preocupar com sua linguagem corporal, fazendo com que em nenhum momento acreditamos estar diante de uma velhinha, ao passo que Sterling K. Brown (Pantera Negra) quase consegue contornar a falta de desenvolvimento de Waikiki com seu carisma. E se Dave Bautista (o Drax de Guardiões da Galáxia) se sai bem como o protetor da Enfermeira, Charlie Day recorre aos seus piores tiques de interpretação, convertendo seu personagem numa figura histriônica e irritante. Fechando o elenco, Sofia Boutella (Atômica) pouco tem a fazer senão caprichar na atitude bad ass, enquanto Jeff Goldblum (Thor: Ragnarök) só aparece para possibilitar uma gratuita brincadeira com A Mosca, clássico que estrelou.
Como se não bastasse o desnorteio, o roteiro ainda tenta emplacar um discurso político ao colocar os personagens comentando que “os empregados acabam pagando pelos pecados de seus chefes”, sem se preocupar em, ao menos, construir diálogos razoáveis.
Ao invés disso, Drew Pearce oferece uma overdose de frases dignas de um livro de auto-ajuda (“não escolhemos quem somos e nem quem amamos”, “isso é o que sou”), além de investir em supostas frases de impacto que, na verdade, só devem provocar um revirar de olhos, como “você se vira com o que tem, não com suas expectativas”. Isso para não mencionar as frases de efeito que, para piorar, ainda são repetidas com frequência, o que, nesse ponto, demonstra até certa coerência por parte de Pearce, visto que suas pérolas favoritas ressurgem até o último plano. Literalmente.
Contando com uma trilha sonora techno que combina com a narrativa, Hotel Artemis investe pesado numa embalagem, sem se dar conta de que não há conteúdo que a sustente, e por mais que a produção possua ótimas ideias estéticas (que vão desde a direção de arte até a curiosa paleta de cores), tudo parece ter sido jogado na tela, sem algum propósito, o que não deixa de ser uma pena. Tamanho desperdício talvez fosse evitado nas mãos de alguém mais experiente.
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