Fazer um filme de horror é um desafio que demanda inteligência, habilidade e, acima de tudo, paciência. Inteligência para entender que na arte de aterrorizar não existe arma mais poderosa do que a própria imaginação de quem está assistindo. Nesse caso, sugerir é muito mais eficiente do que revelar. E é aí que entra a habilidade do cineasta em manipular as sensações do público, que projetará seus piores medos no “monstro” da história. Entretanto, um longa-metragem de horror não se sustenta apenas através de sustos e arrepios. É preciso criar uma atmosfera que envolva o espectador, e isso requer paciência. Felizmente, o cineasta uruguaio Fede Alvarez não só atende com louvor os três requisitos acima, como também faz de O Homem nas Trevas um dos filmes mais (in)tensos do ano, até agora.
No roteiro escrito por Alvarez e Rodo Sayagues, um trio de jovens assaltantes de residências celebra a iminente entrada na faculdade com um último “serviço”, cuja vítima é um inofensivo homem cego (Stephen Lang, o vilão de Avatar). Mas o que parecia ser uma tarefa fácil, acaba ganhando contornos dramáticos quando o grupo percebe que as aparências realmente enganam.
Protagonizado por Jane Levy (A Morte do Demônio, também de Alvarez), Dylan Minnette (Goosebumps) e Daniel Zovatto (Corrente do Mal), o filme utiliza alguns clichês (o último roubo, a mocinha com motivos nobres) para construir uma narrativa em que o que mais importa, na verdade, é a atmosfera. E o diretor uruguaio, sabendo disso, utiliza todo o seu arsenal técnico para criar o clima mais incômodo possível, desde o ótimo design de som até a excepcional direção de arte.
Falando em direção de arte, é preciso destacar o ótimo trabalho de Adrien Asztalos e Erick Donaldson: assumindo a responsabilidade de conferir profundidade ao cenário quase único da narrativa, a dupla transforma a casa do homem cego num ambiente claustrofóbico e extremamente opressor. E é ótimo poder notar como cada elemento em cena parece esconder algum mistério, o que só é possível graças à competente direção de Fede Alvarez, que explora ao máximo cada aposento da casa (algo similar ao trabalho de James Wan no ótimo Invocação do Mal).
Mas todo esse esforço teria sido em vão caso não tivéssemos um vilão à altura do projeto. E é fascinante poder desfrutar da ótima performance de Stephen Lang, que transforma seu Homem Cego num indivíduo visivelmente fragilizado em função de sua deficiência, mas terrivelmente ameaçador justamente por sua natureza imprevisível. Aliás, é outro mérito de Lang a ironia que representa um personagem sem nome e quase sem falas poder soar tão humano e multifacetado.
Apesar do fiapo de história que conta, o roteiro também tem seus bons momentos. E quando um personagem diz que “ser cego não significa ser santo”, imediatamente vem à tona uma interessante discussão acerca da personalidade dos próprios personagens. Infelizmente, porém, os roteiristas não conseguem manter o bom nível do texto, investindo em alguns diálogos que de tão óbvios, quase comprometem a experiência. Nem o diretor escapa dos tropeços, o que fica patente numa fraca (e também óbvia) sequência que se passa num porão inteiramente escuro. Todavia, esses breves equívocos acabam sendo relevados a partir do momento em que a trama entra em seu frenético e inventivo terceiro ato, que investe numa implacável sucessão de reviravoltas capaz de tirar o fôlego do mais gélido espectador.
Provando que é possível fazer um filme de terror sem investir no choque barato e na violência gratuita, O Homem nas Trevas é um triunfo técnico que evidencia a evolução cada vez maior de seu talentoso diretor.
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