Homem-Aranha

Quando escrevi sobre Homem-Aranha: De Volta ao Lar, há dois anos, apontei que sua integração ao Universo Marvel era a solução perfeita para a confusa abordagem da Sony após a trilogia de sucesso de Sam Raimi. “Com menos de um minuto, o estúdio [Marvel] fez mais pelos fãs do aracnídeo do que a Sony/Columbia em mais de 5 horas e meia (divididos entre dois “espetaculares” Homem-Aranha”, escrevi na época. Antes um herói atormentado e excessivamente melodramático, agora temos um Peter Parker mais próximo de sua essência, exalando energia e alegria como o super-herói. Homem-Aranha: Longe de Casa segue essa linha, com a comunhão Marvel/Homem-Aranha novamente trazendo bons frutos. 

Contando com o retorno dos roteiristas Erik Sommers e Chris McKenna (dois daquela equipe de seis), a trama acompanha o jovem Peter Parker (Tom Holland) após os eventos traumáticos de Vingadores: Ultimato. Lidando com o luto enquanto clama por férias, Parker encara uma viagem escolar à Europa como a chance de se declarar para MJ (Zendaya), mas o surgimento de uma ameaça motiva a chegada do enigmático Mysterio (Jake Gyllenhaal), que alega vir de outra dimensão para salvar a Terra. Relutante em assumir o seu papel, Parker é convocado por Nick Fury (Samuel L. Jackson) para ir à luta, dividindo-se entre suas responsabilidades como super-herói e suas necessidades pessoais.

Novamente equilibrando bem o tom da narrativa com os conflitos internos de Peter, o roteiro já nos primeiros segundos de projeção atira no espectador uma breve contextualização enquanto responde a algumas perguntas sobre as consequências do que ocorreu em Vingadores: Ultimato. Como já era de se esperar, a última aventura dos Vingadores é um elemento crucial para o desenvolvimento de Longe de Casa, influenciando diretamente a vida e o comportamento de Peter Parker. Portanto, se você ainda não viu Vingadores: Ultimato, esteja preparado para spoilers a seguir.

Assim, os roteiristas se divertem a valer aproveitando o estalo de Thanos para criar novas terminologias e estabelecer as inevitáveis mudanças. Aqueles que se desintegraram, voltaram intactos, ao passo que os que seguiram suas vidas, logicamente, estão alguns anos mais velhos, o que implica em situações curiosas, como a rivalidade entre Peter e um pretendente de MJ, mais velho apesar de estar na mesma classe. Além disso, os falecimentos de Natasha Romanoff e Tony Stark em Ultimato são devidamente repercutidos e a narrativa absorve o peso dramático.

Nesse ponto, Sommers e McKenna são inteligentes ao construir o arco de Peter em torno dessa nova situação. Afinal, Peter está pronto para assumir o legado de Stark? E mais, Peter superou a morte de seu amigo/mentor? As respostas são cruciais para a jornada do jovem Vingador e bem trabalhadas por Tom Holland, que oferece mais uma performance carismática e carregada emocionalmente. É difícil, por exemplo, conter as lágrimas ao ver o garoto, com os olhos marejados, falar sobre o “Sr. Stark” e o quanto sente sua falta. Holland também se sai bem nas sequências de ação, mostrando agilidade e mantendo a tradicional aura de deslumbramento.

Entre os coadjuvantes, enquanto Marisa Tomei pouco pode fazer com o tempo de tela limitado, Jon Favreau beneficia-se de situação oposta, aproveitando a oportunidade para desenvolver Happy Hogan: se anteriormente o motorista de Tony Stark era um figurante de luxo relegado ao papel de alívio cômico, aqui preenche o espaço do próprio Stark como parceiro de aventuras de Peter Parker e sua relação com o rapaz revela-se o ponto alto da narrativa. E se Samuel L. Jackson segue fazendo o de sempre, Jake Gyllenhaal usa todo o seu talento para transformar Mysterio numa figura multidimensional (com o perdão do trocadilho). Embora escorregue frequentemente ao arriscar piadas, Gyllenhaal, ainda que ligeiramente desconfortável, assume o tom cartunesco de seu personagem e abraça seu absurdo, investindo numa composição que ao mesmo tempo humaniza Mysterio e o aproxima da abordagem típica dos quadrinhos.

Por falar em cartunesco, a profusão de cores, humor e leveza que toma conta da narrativa não poderia servir como diferencial maior em comparação com Vingadores: Ultimato. E se os set-pieces jamais chegam a impressionar – convertendo esta aventura numa espécie de “segundo escalão da Marvel” – ao menos convence e comprova a competência de Jon Watts na condução da ação, sempre posicionando a câmera corretamente e evitando os cortes frenéticos. Aliás, o esforço coletivo proveniente da direção, da fotografia e da montagem é seminal para que as sequências envolvendo ilusões funcione. E elas não apenas “funcionam”, como representam os melhores momentos do filme, combinando cortes abruptos, quebras de eixo e movimentos de câmera.

Igualmente competente na parte técnica, Longe de Casa mostra um significativo avanço nos efeitos visuais em relação a De Volta Para Casa, com destaque para os Elementais, cuja movimentação fluida e impressionante realismo (especialmente da criatura feita de água) saltam aos olhos. Já o compositor Michael Giacchino mais uma vez acerta em cheio, o que não chega a ser uma novidade. Giacchino, experiente que é, foge da armadilha tentadora de comentar cada cena ou tentar guiar os sentimentos do espectador e opta, ao invés disso, por um tema mais tradicional, orquestrado, porém não menos empolgante.

Derrapando eventualmente ao apequenar Mysterio e, principalmente, ao se ver obrigado a incluir diversas gags gratuitas envolvendo os professores de Peter Parker (problema que já havia deixado de ser recorrente na Marvel), Homem-Aranha: Longe de Casa é mais uma aventura simples e eficaz do Amigão da Vizinhança e, se não chega a se arriscar, é porque jamais demonstra essa ambição.

Observação: Há duas cenas adicionais.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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