vicio inerente cartazUm dos melhores diretores de sua geração: Paul Thomas Anderson. Não tem lá uma lista enorme de filmes, mas ele produziu, dirigiu e escreveu coisas maravilhosas como Boogie Nights, Magnólia, Sangue Negro, O Mestre e agora o ótimo Vicio Inerente.

Habilidoso em histórias de personagens complexos, dessa vez PTA mergulha na mente do protagonista para narrar uma alucinação divertida, uma comédia cínica adaptada do livro homônimo de Thomas Pynchon. Larry “Doc” Sportello (Joaquin Phoenix) é um hippie viciado em drogas que acredita ser um detetive particular e se envolve em uma conspiração envolvendo o desaparecimento da ex-namorada Shasta (Katherine Waterston), envolvida em um esquema para tirar o dinheiro do amante Wolfmann (Eric Roberts), um multimilionário do mercado imobiliário, em conluio com sua esposa. Durante a investigação do policial Bjornsen (Josh Brolin), Doc se enfia em um emaranhado de histórias paralelas que, mesmo sem sentido, são perfeitamente amarradas na sua viagem psicodélica.

Assim é o roteiro de PTA: utilizando uma narração em off que funciona perfeitamente na voz de Sortilège (Joanna Newsom), uma voz na mente do protagonista que preencherá as lacunas entre investigações secretas do FBI, sociedades secretas, neo-nazistas, máfia oriental e muitas teorias da conspiração temperam todos os pequenos arcos narrativos (dentistas envolvidos no tráfico de heroína para obrigar usuários a fazerem implantes dentários é genial).

Não demora muito para o espectador entender do que se trata a história. Nomes como Pau Manchado, Pé Grande e Canino Dourado, um barco do Triângulo das Bermudas ou o escritório de advocacia Voorhees-Krueger já remetem a uma dessas histórias malucas sem pé e cabeça que todo mundo já ouviu (ou contou…) por aí, geralmente alimentadas por algum tipo de entorpecente que libera esse lado imaginativo que todo mundo tem guardado. Aliás, citar os personagens de Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo indica ainda que o filme sequer passe em 1969, já que ambos são produções da década de 80.

O elenco está divertidíssimo. Phoenix interpreta Doc de forma brilhante. Seu jeito de andar, seu o olhar penetrante e ao mesmo tempo perdido de alguém que está sob efeito de entorpecentes. Um gênio. Outro destaque é Brolin, que está ainda mais divertido. Interpreta um policial caricato, vaidoso e por vezes estúpido de uma maneira que faz espectador perceber que o ator está se divertindo acima de tudo. É com ele as cenas mais engraçadas, afinal todas as interpretações acontecem na imaginação de um hippie, logo é de se esperar que ele pense mesmo tudo aquilo de um policial que lhe enche a paciência de tempos em tempos.

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Owen Wilson também funciona como um personagem misterioso bem interessante. PTA constrói uma sequência genial com este personagem que culmina em uma piada maravilhosa com A Última Ceia. Seguindo uma lógica de que todos os personagens são desenvolvidos a partir da cabeça de Doc a partir de algum conhecimento mínimo e superficial que ele tenha sobre alguém que viu ou conheceu, PTA chega a incluir uma ponta de Belladona, famosa atriz pornô, em uma cena bastante divertida que sugere ainda mais coisas da cabeça do protagonista.

O mesmo ocorre para a construção e a desconstrução dos cenários (como o seu apartamento no começo, no meio e no final do filme). Repare como através da fotografia de Robert Elswit podemos notar uma leve sugestão de quando Doc está mais ou menos sob efeitos de drogas, como nos ambientes mais claros e com personagens em figurinos extravagantes ou nos ambientes mergulhados em sombras. Assim, entendemos que todos as sequências em locações externas têm origem em algum fragmento de memória de Doc, como por exemplo sua visita a um centro de reabilitação, o que ainda me sugere que essas cenas acontecem nas mais profundas alucinações do protagonista.

Fiquei com a impressão de que o telefone é a deixa de PTA para iniciar o pico de alucinação, pois sempre que Doc atende a uma ligação, somos levados de volta à viagem conspiratória. Por outro lado, todas tentativas de anotação em um bloco de papel sugerem uma tentativa do protagonista de dar pistas a si mesmo se está alucinando ou se está são. É uma direção de arte grandiosa. O trabalho de maquiagem e figurino é tão marcante e tão bem feito (sobretudo nas transformações de Doc) na medida certa entre a realidade já extravagante do mundo hippie e a surrealidade de suas alucinações. Assim, todo aspecto visual do filme é harmônico e ainda conta com uma deliciosa trilha sonora para resgatar a nostalgia do final da década de 1960.

Mas é a motivação do protagonista que o define e o deixa ainda mais interessante. Mesmo que ocasionalmente sua viagens sugiram uma verdadeira tortura (já que vemos também atos violentos que refletem os pensamentos de Doc), todas as suas paranoias são construídas a partir do seu amor, à sua maneira, por Shasta. Tudo o que sua cabeça constrói parte da dúvida, da sua curiosidade sobre o paradeiro da garota, sem nunca perder o senso de liberdade que é essencial para o estilo hippie que escolheu seguir na vida. Alucinações à parte, admire o excelente plano onde vemos o talento de Phoenix que em poucos instantes resume seu personagem de forma memorável, apenas com uma mudança na sua expressão facial.

PS: Eu soube que Belladona era atriz pornô depois do filme. Juro! Ei! Nunca tinha visto a mulher! Imagina! Não a reconheci! Claro que não! Jur.. err… ah, desisto…

Author

Escritor e Crítico Cinematográfico, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos.

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