um-amor-de-vizinha (1)Uma comédia romântica com mais um título mal traduzido como Um Amor de Vizinha me sugere imediatamente um filme feito diretamente pra TV, desses que vão passar no meio da tarde para um público que não vai prestar muita atenção. Não posso afirmar que este longa de Rob Reiner não cairá nessa programação, mas posso dizer que está longe de ser merecedor desse limbo. E são dois motivos que fazem esse filme ser um pouquinho especial: Michael Douglas e Diane Keaton.

Escrita por Mark Andrus (indicado ao Oscar por Melhor É Impossível), a história conta o romance de um corretor imobiliário Oren Little (Douglas) que tenta vender sua casa milionária em um Condado pacato de olho da sua aposentadoria e de uma ex-atriz que tenta conseguir algum dinheiro em restaurantes locais recomeçando sua carreira artística como cantora. Ambos viúvos, os dois vizinhos começam uma relação diferente quando o filho de Oren, prestes a ser preso, pede ao pai que cuide da neta que até então não conhecia.

É sim uma história mamão com açúcar, mas o interessante é que em nenhum momento o filme nega essa condição. Começando com um plano sequência que parece nos sugerir um “Era uma vez…”, Reiner parece nos mostrar um Condado propício ao desenvolvimento de uma história lúdica como essa e então desenvolve os personagens principais de forma muito honesta e divertida. O problema com isso é que soa um tanto estranho quando o protagonista visita algumas pessoas viciadas em drogas e já decadentes, pois toda a direção de arte trabalha para mostrar um pequeno paraíso – e não é à toa que a pequena vila onde os personagens moram se chame Little Shangri-La. Também há um certo exagero na fotografia de Reed Morano quando cria uma rima visual entre os muros de uma prisão e os apartamentos do subúrbio, o que soa um tanto elitista.

Sem dúvida, a força do projeto reside em seus personagens. Oren Little surge sarcástico desde o primeiro momento quando reclama na lápide da esposa que ela escolheu um lugar muito alto para ser enterrada. E ainda que o protagonista seja um sujeito desprezível, Douglas, com toda sua experiência, consegue fazer rir em todas as piadas de Little, além de construir um personagem que pode ser, nas palavras de Leah (Keaton), “surpreendentemente decente às vezes”. Também viúva, Leah é uma personagem que se entrega facilmente ao choro, pois tudo a lembra do marido falecido. Diane Keaton envelheceu maravilhosamente bem. Linda, digna e segura em todos os momentos, ao 68 anos a atriz parece fazer questão de mostrar a ação do tempo com um orgulho delicioso de ver. E se os dois estão muito bem no filme, não sei o que dizer de Frances Sternhagen, que rouba todas as cenas com um espetáculo cada vez que surge com uma acidez ainda maior que a de Douglas.

amor de vizinha

Como Leah é uma cantora, a trilha sonora é ótima e as canções interpretadas por ela movem a seu arco (perceba como ela passa a dominar a música que antes a dominava). E a mudança dessa personagem é também acompanhada pelo figurino que faz um bom trabalho para acentuar a evolução de Leah no terceiro ato.

Com muitas piadas orgânicas e eficientes, o diretor poderia ter evitado algumas gags desnecessárias, como quando ele mesmo (que interpreta um pianista) escorrega estupidamente e quando há um tolo plano de um cachorro excitado com um urso de pelúcia. Parece um pouco de insegurança de Reiner, como se os diálogos não fossem suficientes para arrancar risos do espectador. E são.

Um olhar atento pode perceber como o filme ainda encontra espaço para singelas homenagens a quase toda expressão de arte. Há referências à arquitetura, à música (divertida ponta de Frankie Valli), ao teatro (Leah tem um breve monólogo que funciona também na construção da personagem), à pintura e mesmo ao cinema, quando a jovem Sarah (neta de Oren, vivida por Sterling Jerins) produz um curta usando seu smartphone. Um Amor de Vizinha consegue divertir o suficiente e mandar o espectador pra fora do cinema com a boa sensação de que a vida vai longe, de que sempre temos espaço para encontrar a felicidade e reparar quaisquer que sejam os erros passados. Pois é disso que trata o filme, originalmente intitulado “And So It Goes…”.

Author

Escritor e Crítico Cinematográfico, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos.

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