Não fosse a presença de Ben Kingsley com uma bela atuação do mestre Ibn Sina, diria que O Físico seria um fracasso. Não significa dizer que ele carrega o filme nas costas, pois não o faz: Tom Payne consegue entregar um bom protagonista e Stellan Skarsgård, desperdiçado, confere alguns momentos cômicos que mostram um pouco dos chamados barbeiros que vagavam de cidade em cidade com um mínimo de conhecimento sobre algumas doenças e ferimentos.
Rob Cole (Payne), ainda criança, presencia a morte da mãe, vítima do que chamam “doença do lado” (que nada mais é que uma apendicite). Orfão, decide seguir um barbeiro (Skarsgard) e, já adulto – mas ainda um aprendiz – presencia uma micro cirurgia no seu mestre (que recupera a visão) e então descobre que a existência de uma escola de médicos em uma cidade no oriente, onde cristãos não são aceitos, já que a cidade é de domínio muçulmano. Cole decide partir em busca desse conhecimento e passa a ser aprendiz de Sina (Kingsley). Durante seu tempo como estudante de medicina, o protagonista enfrentará um embate político, um romance proibido e problemas com sua origem e religião.
Como se percebe, é muita coisa. Mesmo para um filme de cento e cinquenta minutos de duração. Philipp Stölzl faz o possível para narrar essa história comprimida em um roteiro que salta os meses que seriam mais interessantes do que os temas abordados superficialmente. Toda a viagem da Inglaterra à Pérsia, todo o aprendizado de Cole e a batalha anunciada em vários momentos são trechos ignorados pelo roteiro em prol de uma construção falha dos personagens. Até surgem cenas aqui e ali, como uma constrangedora tempestade de areia que só serve para estabelecer o futuro e igualmente constrangedor romance com uma garota prometida em casamento (Emma Rigby). Posso dizer que os momentos mais importantes do filme são apresentados de forma constrangedora como o que acontece após a primeira cirurgia dentro daquele universo concebido por Noah Gordon, autor do livro que deu origem ao filme.
O roteiro é escrito pelo alemão Jan Berger, adaptado do livro The Physician (que significa médico, e como se pode notar, não há nenhum físico no filme – erro na tradução do livro, mas que se repete na legenda do filme). Berger comprime a história da forma que citei no parágrafo anterior e comete erros graves, como sequer tratar a relação do idioma falado entre os personagens – basicamente, do deserto pra lá se fala inglês com sotaque e está tudo certo, sem que Cole tenha qualquer dificuldade de interagir com todos os personagens do outro lado do mundo. E ao amarrar todas as pontas lançadas nos dois primeiros atos, Berger empurra resoluções goela abaixo sem nenhum cuidado ao ponto de colocar diante do protagonista alguém com a mesma apendicite que matou a mãe, uma resolução tola, principalmente por ser colocada como um desafio ainda maior do que a peste negra que infestou a cidade momentos antes.
E tudo isso é uma pena. A historia de Gordon é muito rica ao debater temas presentes hoje em um período medieval. Ciência e religião são confrontadas sempre que a relação do aprendiz com seu objeto de estudo chega ao limite ético estabelecido pelos dogmas – do Islã, no caso dessa história. Ainda assim, o mestre Sina é sempre coerente ao posicionar seu respeito por todas as religiões e a sua consciência sobre a importância dos seus estudos, bem como o legado que deve passar adiante, é tocante. Sina é o que há de melhor no filme, um personagem misterioso e fascinante. Por isso disse que Kingsley evita o desastre, pois a serenidade e a sabedoria do seu personagem são muito bem expressadas sempre que está em cena. Um desperdício, porém. A relação do mestre e do aprendiz não tem qualquer desenvolvimento sério. Poderíamos passar horas ouvindo o que aquele personagem teria a dizer, mas o roteiro não passa de superficiais frases de efeito.
Berger ao menos tem o cuidado de respeitar a simbologia contida no aspecto religioso da história, afinal, o protagonista tem o dom de saber quando as pessoas estão prestes a morrer e ignorar o metafísico seria um erro mortal para o projeto (Stolzl acerta na primeira e na segunda vez que faz uma pausa na imagem para evidenciar isso, mas o movimento de câmera se torna exaustivo, desnecessário e óbvio). Por isso há a referência de buscar o conhecimento do oriente ao ocidente e a presença de um personagem zoroastrista, que do ponto vista esotérico é o elemento mais importante de toda essa epopeia vivida por Cole – e que naturalmente será uma referência perdida: Zoroastro é o berço de todas as civilizações predominantes e, nesta história, se torna o berço da ciência dado o uso que o jovem médico faz da situação.
Embora visualmente eficiente com uma ótima fotografia de Hagen Bogdanski (note como o oriente tem mais vida do que o país de origem de Cole), O Físico surge como uma oportunidade desperdiçada de contar uma história rica em muitos aspectos e acaba se tornando um filme longo e cansativo com pouco cuidado nos assuntos que poderia despertar a reflexão do espectador. Ao contrário, mostra personagens estereotipados (o Xá, o Mulá, o Seljúcida…) facilmente comparados a figuras contemporâneas cada vez menos tridimensionais da nossa sociedade.
2 Comments
Lamentável, pois o livro é maravilhoso.
e muito legal !Qual e o nome da doenca do lado ? pf me reponde