Cartaz-magia-ao-luarWoody Allen tem uma excelente pontaria. Em Magia ao Luar, acerta tantos alvos que até mesmo um fugitivo de comédias românticas (como eu) cede ao impulso de se sentir feliz com a história situada na França de um casal que se atrai sem ter nada a ver um com o outro. Se a fórmula parece batida em tantas outras produções, aqui entra o sarcasmo do diretor ao debater o tema de todas as formas possíveis colocando alguns clichês na tela para imediatamente chutá-los para fora da história.

Assim, acompanhamos a história do melhor ilusionista do mundo, o incrível Wei Ling Soo, que na verdade é o artista Stanley, vivido por Colin Firth. Stanley recebe e aceita o desafio de um amigo de infância Howard Burkan (Simon McBurney), também ilusionista, que consiste em desmascarar a médium Sophie (Emma Stone) prestes a dar o golpe em uma família rica do sul francês com a ajuda da mãe (Marcia Gay Harden), que ludibria a viúva Grace (Jacki Weaver) e seu filho Brice (Hamish Linklater, engraçadíssimo).

Niilista do começo ao fim, o roteiro de Woody Allen questiona o tempo inteiro a existência do sobrenatural com uma ótima dose de humor (dizer que vida após a morte depende do estoque de ectoplasma de cada um é genial). Ao escolher um protagonista hábil em iludir espectadores da forma mais absurda (o que inclui fazer um elefante desaparecer em um palco de teatro), o diretor faz com que as reações de Stanley ao “talento” de Sophie sejam convincentes, quando na verdade vemos o arco de um personagem pragmático que cede ao poder do amor, coisa inexplicável e irresistível mesmo pela mente mais racional. Do outro lado, Sophie – perfeita escolha de nome para essa personagem – é o maior desafio que Stanley já teve em sua carreira, o que parece contribuir para que a relação dos dois fique cada vez mais próxima.

E é a direção de arte que dá o primeiro passo para mostrar a interação dos dois. Repare o uso do vermelho e do bege enquanto acompanhamos a narrativa no primeiro e no segundo ato. O vermelho e o bege, predominantes em Wei Ling Soo e em Sophie respectivamente (dois personagens dentro dos personagens, diga-se), passam a compor cenários e figurinos a medida que um se interessa pelo outro, como no vestido com detalhes vermelhos da garota e o paletó completamente claro de Stanley logo após se conhecerem. Não só isso, note as cores das flores misturadas em passeio dos dois que, em um baile, estarão também presentes no figurino: ele terá uma flor clara na lapela e ela terá rosas vermelhas no vestido.

Magia-ao-Luar

A atuação dos atores é um ponto forte de Magia ao Luar. Firth e Stone entregam personagens divertidos, fáceis de se criar empatia, mesmo que suas atitudes sejam reprováveis – afinal, não fazem um verdadeiro mal a ninguém, como diz Sophie. Firth parece se divertir e consegue criar um misantropo que não tem a menor ideia do efeito negativo que suas palavras podem causar a outras pessoas, o que confere uma aura ingênua a Stanley, que por sua vez sequer consegue perceber ceder a impulsos exclusivos da humanidade. E não é por acaso que Woody Allen inclua Hobbes e Nietzsche para construção do seu protagonista.

Sempre flertando com fé e ciência, razão e emoção, vida e arte, o diretor e roteirista inclui os costumeiros diálogos disparados como metralhadoras e em alguns momentos coloca os atores para dizê-los em planos longos sem cortes, o que é também um grande mérito desse longa. Em uma importante sequência em que vemos Sophie em um balanço, note o que ela tem nas mãos e o que Stanley tem a dizer. Sem dúvida, essa evolução dos personagens mostra como todos nós estamos vulneráveis aos efeitos dessa atração inexplicável que nos desafia mais do que qualquer outra coisa.

A cinematografia do iraniano Darius Khondji, colaborador de Allen em outros trabalhos, resgata não só a época em que se passa o filme, mas também a arte nesse momento, que junto com a ótima trilha sonora, equilibram muito bem a produção que ao final prova ser uma experiência bastante agradável.

Mais agradável ainda é poder pensar que a entrega ao amor pode superar qualquer resposta niilista.  Sem subestimar a inteligência do espectador em nenhum momento, Woody Allen evita criar uma grande reviravolta sobre as verdades escondidas atrás do mistério da mediunidade e com isso se concentra no desenvolvimento de carismáticos personagens.Divertido e irreverente, mas sem deixar de fazer boas perguntas ao espectador, Magia ao Luar figura desde já entre as boas e agradáveis produções do ano.

Author

Escritor e Crítico Cinematográfico, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos.

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