Uma boa fórmula para inovar narrativas épicas em suas adaptações cinematográficas é transformar as suas características míticas e sua fantasia em elementos verossímeis dentro um universo mais próximo da nossa existência. Nesse sentido, é impossível não comparar o longa Hércules de Brett Ratner com produções que usaram a mesma fórmula, como Tróia de Wolfang Petersen ou O Rei Arthur de Antoine Fuqua. Não me refiro apenas à fórmula de humanizar os personagens, mas também na construção da narrativa com elementos clichês. Logo, estão lá o exímio arqueiro, o personagem que vai desistir da batalha final para voltar em um momento providencial, o cabeça dura que tem um passado que o persegue e justifica suas ações, a morte dramática de um colega querido que dá ainda mais força ao protagonista, uma batalha na névoa/fumaça, um duelo, vilões pouco desenvolvidos com motivações que se resumem a conquistar terras, povos e poder sem que haja qualquer tridimensionalidade nos seus personagens como, em outro exemplo, Saladino em Cruzadas.
Ainda que sustentado por esses problemas recorrentes em obras do gênero, Hércules se destaca entre os longas citados na maneira que apresenta o protagonista nos minutos iniciais e acerta muito ao desconstruir a mitologia sem ignorar as características físicas do semi-deus, que tinha em sua extraordinária força a grande diferença para os demais mortais. O filme começa depois que Hércules teria supostamente concluído seus doze trabalhos e portanto vemos uma aventura nova. O roteiro assinado por Ryan Condal e Evan Spilioutopoulos, adaptado dos quadrinhos de Steve Moore, traz Hércules (Dwayne Johnson) como líder de uma companhia de mercenários composta por habilidosos guerreiros: o braço direito Autolycus (Rufus Sewell), o animalesco Tydeus (Aksel Hennie), a amazona Atalanta (Ingrid Bolsø Berdal), o vidente Amphiaraus (Ian McShane) e o eloquente Iolaus (Reece Ritchie). Recebem a missão da princesa Ergenia (Rebecca Ferguson) que decide contratar Hércules e seu grupo em uma missão para seu pai, Rei Clotys (John Hurt), que consiste em restabelecer o poder e a segurança do seu reino ameaçado por um Rei Centauro Rhesus (Tobias Santelmann). Ainda no elenco, Joseph Fiennes interpreta o Rei Eurystheus, e me reservo a revelar detalhes de seu personagem para não entrar em spoilers.
Todo o elenco dos heróis se sai muito bem. Dwayne consegue entregar um mercenário amargurado como é a promessa do filme e só é prejudicado no terceiro ato quando apenas a força de Hércules é explorada, como, bem, também é a outra promessa do filme. A fidelidade do seu grupo é convincente e é um grande acerto dos roteiristas criar cada guerreiro com habilidades essenciais para a construir o Hércules mitológico, dessa forma podemos nos preocupar com cada um deles durante os combates ao mesmo tempo que aceitamos as coisas impossíveis que cada um desempenha, afinal, está claro que são parte daquela mitologia. Ainda no elenco, que surgem os antagonistas antes e depois da reviravolta do roteiro são os retratados de forma caricatural e enfraquecem a trama. Em parte, a direção dos atores permite que vivam caricaturas odiáveis e sem motivações interessantes para seus atos, o que é o ponto mais fraco do roteiro (o desfecho do principal antagonista soa patética).
A montagem de Mark Helfrich e Julio Wong não desagrada na maior parte do tempo, mas apresenta erros em algumas sequências e também não está livre de flashbacks fragmentados para mostrar o passado de Hércules e então amarrar pontas no terceiro ato para justificar mais poderes e mais poderes do mercenário. O terceiro ato fica perto de arruinar o filme. Especialmente na batalha final, onde os clichês citados acima saltam da tela sem nenhum cuidado com a inteligência do espectador.
Mas o filme é divertido. E é o que interessa em uma produção pipoca com boa direção de arte que equilibra muito bem o aspecto mitológico dos personagens em um contexto mais próximo do que seria a realidade. A todo momento, o espectador não consegue afirmar se aparecerá de fato alguma criatura fantástica, mesmo sabendo a real história daquele Hércules. Isso enriquece a narrativa, em especial o arco do personagem de Ian McShane, que diz saber quando vai morrer – e a partir dele saem os momentos mais divertidos do longa. Ainda sob o aspecto visual, a cinematografia de Dante Spinotti é correta, mas não inova em nada para filmes do gênero deixando mesmo para os efeitos especiais o principal atrativo.
Brett Ratner tem altos e baixos na direção. Já que apontei coisas negativas acima, vale dizer que o diretor acerta nas sequências de ação (exceto no terceiro ato) com boa movimentação de câmera quando, principalmente, precisa destacar as habilidades individuais dos heróis ou quando quer usar ângulos para alimentar a expectativa da aparição dos centauros.
Longe de ser um grande filme épico, Hércules foi feito para ser mais para uma franquia com várias aventuras do mercenário. E é grande a probabilidade de seguir o mesmo caminho dos filmes sobre os titãs, lançados recentemente. Tão divertido quanto dispensável. Não vai agradar quem busca uma história bem elaborada e vai agradar quem quer muita testosterona na tela.
3 Comments
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Orgulhosamente PUBLIQUEI uma ‘chamada’ para este ótimo artigo no agregador de LINKS dos Blogueiros do Brasil (( http://omelhordos.blogueirosdobrasil.com/ )).
Abraços cordiais.
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