O debate político nos últimos meses foi dominado por antagonistas raivosos que pouco se toleram, pouco se respeitam e raramente dão ouvidos aos argumentos do outro lado. Quando se cansam e voltam para o casulo de ódio de onde saíram, afirmam com o dedo em riste que o outro é fanático e, como sempre, ninguém ganha nada com a conversa. É muito comum que o mesmo desfecho ocorra em maior ou menor intensidade quando o assunto é religião, sexualidade e até mesmo hábitos alimentares.

Sem abrir o debate político ou mesmo explorar de forma direta as feridas causadas pelo regime militar, o filme me fez pensar sobre o quanto está desgastada qualquer ideia extremista que permeou motivações de esquerda e de direita durante a década de sessenta e setenta, principalmente. É esse mundo chato que retrata o premiado Avanti Popolo, escrito e dirigido por Michael Wahrmann, com Carlos Reichenbach e André Gatti no elenco. Gatti interpreta André, que tenta alimentar a memória do pai que há 30 anos espera o retorno de um filho desaparecido. Para isso, André tenta reproduzir rolos de Super-8mm com imagens de viagens da família captadas pelo irmão enquanto o pai passa o dia fechado dentro de casa na maior parte do tempo, saindo apenas para brincar com a cadelinha Baleia.

A fotografia de Rodrigo Pastoriza ressalta esse desgaste com a direção de arte Ana Paula Cardoso através de um figurino empobrecido e cenários deteriorados ao longo de três décadas, que são muito bem aproveitados por Wahrmann quando investe em planos longos e estáticos, como se tudo tivesse parado no tempo. Mais do que isso: os planos detalhe em paredes rachadas e quadros descascados dão a ideia de como algumas coisas realmente estacionaram no período mais escuro da nossa história.

Com uma excelente montagem das imagens capturadas pela Super-8mm que funcionam como eficientes flashbacks entre as cenas da narrativa presente, o filme tem um momento especial em um diálogo sobre um projetor velho (“maquininha que resiste ao tempo” e que “demora pra rebobinar”), uma clara referência à ditadura que insiste em assombrar nossos tempos de democracia.

Competente ao fechar cada vez mais os quadros nas sequências dentro da sala de estar nos três atos até o momento em que a família é simbolicamente reunida e devastada pelo tempo e por reflexos de regimes políticos autoritários, Wahrmann consegue transmitir a bela mensagem de que não podemos deixar pra trás o que mais nos importa, ainda mais se os motivos que nos afastam sejam fruto de manipulação popular. Não só isso, o diretor ainda investe em uma breve sequência com a cadela Baleia que, na atmosfera do filme, simboliza o sabor da liberdade que aquela família perdeu em algum momento da sua história.

Afinal, depois que tudo passa, ficamos com o espólio deteriorado pelos manipuladores profissionais.

AVANTI POPOLO

Brasil, 2012. 72 min
Direção e roteiro: Michael Wahrmann
Fotografia: Rodrigo Pastoriza
Edição: Ricardo Alves Jr e Fellipe Barbosa
Diretora de Arte e Figurino: Ana Paula Cardoso
Desenho de Som: Daniel Turini & Fernando Henna
Pesquisa de Super8mm: Danilo Carvalho & Marcos Bertoni
Produção: Sara Silveira
Produção Executiva: Maria Ionescu e Renata Moura
Elenco: Carlos Reichenbach, André Gatti, Eduardo Valente, Marcos Bertoni e a cachorra Estopinha

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Author

Escritor e Crítico Cinematográfico, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos.

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